Dia
02/02/15 por volta das 23h cheguei ao aeroporto de Cumbica, meu voo sairia as
06h50 da manhã do dia 03/02, resolvi chegar antes do que perder à hora. O
guichê abriu as 4h30, fiz o check-in, despachei uma mala enorme e levei uma
mochila comigo com artigos de higiene. Ao passar na esteira e detector de
metais, fui informado que não poderia embarcar com a mochila de mão, pois
existiam vasilhas com mais de 100 ml (é proibido embalagens com esta quantia
nos volumes), voltei ao guichê e despachei a mochila também, embarquei só com a
carteira e um livro (primeira lição aprendida, fazer a mala direito).
Começava assim minha aventura ao El Cruce 2015, corrida que aconteceria em três dias nas Cordilheiras dos Andes e atravessaríamos uma parte dela da Argentina ao Chile.
Cheguei
a Buenos Aires por volta das 9h, peguei a bagagem, mudei algumas coisas de
lugar nas malas e despachei só a mala grande, meu voo de conexão a Bariloche só
sairia as 11h45, só que na Argentina não tem horário de verão então ainda eram
8h da manhã, então seria uma longa espera pela frente. Quando desembarquei tive que passar pela
imigração, como não tenho passaporte entrei com a identidade e o nome do local que iria
ficar, meu visto era de alguns meses (não lembro agora, estava anotado no papel
que o rapaz falou que eu não poderia perder e teria que entregar na volta).
Algo
que reparei é que o avião que saiu do Brasil é mais simples que o avião que foi
para Bariloche, a empresa Aerolíneas Argentinas era a mesma, mas os voos que
circulam lá são bem melhores que os que vêm para nos aqui. Lá pelas 14h desci
em Bariloche, um lugar deserto, só montanhas e nada mais, achei sinistro, onde
estão as casas?
Uma
senhora com a plaquinha com meu nome me esperava no saguão para me levar até a
pousada em Cerro Catedral (que fica cerca de 20 km de Bariloche) onde seria a
largada. Quarenta minutos de viagem de carro, conversando com a motorista e
escutando a música local pelo som do carro, passamos pelo centro de Bariloche e
vi a civilização além das praias e montanhas lindas pelo caminho. Cerro é bem
pequena, mais como uma vila onde só tem pousadas, hotéis e restaurantes para
abrigar os esquiadores na alta temporada.
Ficamos
eu e a minha amiga Luciana na pousada Galileo, atendimento muito bom e
acomodações ótimas, ela chegou um dia antes e me mostrou o kit, fomos retirar o
meu que ficava ao lado da largada a 400 metros da pousada. Primeiro você pagava
o valor restante (a inscrição antecipada foi $ 100 dólares e na retirada do kit
mais $ 620 pela estrutura da organização), íamos retirando o kit por partes, o
local era dentro de um mini shopping e no final minha sacola da prova estava transbordando
de coisas.
O
Kit continha: itens obrigatórios para a prova (numeração, chip, manta térmica, camiseta
com seu apelido gravado na parte traseira da camiseta, uma segunda pele, uma
polar (blusa), um corta vento, todos com estampas da prova e um frasco para
colocar gel); e os itens não obrigatórios (um par de meias, um par de polainas
de compressão, um prato de madeira, um copo, um copo térmico, pilhas para a
headlight, um adesivo da prova, 4 barrinhas de cereais, 3 pacotinhos de goma de
mascar, protetor solar, uma plaquinha com seu número para colocar na sua
mochila que a organização iria levar, um lenço da prova, uma plaquinha para
colocar na mochila da prova para identificação das fotos, 4 tickets para
bebidas para os 2 campings).
Depois
você tirava uma foto com a camiseta e numeração com o fotógrafo oficial com o
banner da prova atrás, com isso você ganhava a foto impressa com um suporte de
acrílico de presente, tiramos mais algumas fotos do local e com as mãos cheias
voltei para o quarto e nos vestimos para um treino leve, começou a garoar, mas
decidimos ir assim mesmo, encontramos com a Paula (amiga da Luciana) e fizemos
8k, apenas um aperitivo do que veríamos pela frente.
Nestes
dias que fiquei em Cerro Catedral, comi nos restaurantes saladas, batata e
sopa, não tinham muitas opções, mas tem um mercadinho onde você consegue
comprar frutas. No dia seguinte fomos logo cedo para Bariloche passear e
consegui com a ajuda da dona de uma loja de produtos naturais comer em um restaurante
Vegano, mas a galera se perdeu mesmo foi na loja de chocolate, comprei duas
barras de chocolate amargo para a prova.
Não
voltamos muito tarde, pois teríamos ainda que arrumar as malas, uma ficaria para
a organização (ela teria que ser entregue até as 22h), uma outra ficaria na
pousada e uma que usaríamos durante a prova, além disso ir ao congresso técnico, jantar e
dormir, pois a largada seria às 8h da manhã. Antes do congresso um DJ animou a
galera e iria ter um desfile com as bandeiras dos 36 países participantes,
resolvi participar, sobravam poucas bandeiras, vi a da Itália e como sou
descendente resolvi pegar ela, mas do seu lado estava uma bandeira deixada de
lado, ela me olhou e eu resolvi pegá-la, era a de Israel, como um país pode ser
considerado sagrado e ter tantos conflitos políticos e militares (?), como o
desfile e a prova em si era uma demonstração de união, respeito e paz, esta
bandeira teria que estar lá, durante o desfile vi o atleta de Israel que fez
questão de tirar uma foto minha, o deixei segura-la também e o filmei com sua
GoPro, foi um momento especial, não quis tomar partido da discussão com meu
ato e sim ajudar a representar o espírito de paz daquele momento.
No
congresso além da Luciana, Paula, Fernanda e Wal, estava um casal casca grossa do Rio que iriam correr em duplas (a Cristiane e seu esposo), também conheci o outro vegano que estava lá, o Leandro Sauer que
mora no Rio e o seu amigo Gustavo Pisati que mora em Londrina, combinamos de
nos encontrarmos durante a prova e assim darmos força um para o outro.
Dia
05/02, primeiro dia da prova do El Cruce 2015, acordei as 06h, tomei um banho, um
café legal, me vesti e seguimos para a largada, lá tinha disponível para o
atleta pegar o quanto conseguisse água e Gatorade, como minha mochila de prova
estava cheia dos itens obrigatórios, (não estava com frio, então a roupa estava
toda dentro da mochila com água e comida (que deveria ser levado em embalagens
de plástico a vácuo e os gels para quem usou deveriam ser colocados nos frascos
disponibilizados pela organização no kit da prova), e mais algumas coisas de
higiene que tive de usar na pousada e não foi para a mochila da organização),
não levei isotônico neste dia, também não fiz nada no pé para proteção, o
percurso seria de 25,5km e fui relaxado (até demais), usei um tênis minimalista
para trail, shorts com uma lycra por baixo, camiseta da prova e boné.
O
percurso do primeiro dia teve altura acumulada de 1174m e descenso acumulado de
2010m, a altura máxima que chegaríamos seria de 2081m. São quase 1500
inscritos, então a largada é separada em 7 pelotões com uma diferença de 15
minutos entre eles, dentro destes pelotões largavam simbolicamente 6 atletas
por vez. No ato da inscrição você marcava qual seria o seu pace, isso serviu
para dividir as pessoas na largada pelos seus ritmos, marquei um pace bem alto
e por isso larguei no último pelotão. Eram separados 6 pessoas que iam até a
largada simbólica e tiravam uma foto (neste momento como teríamos que largar
com a camiseta da prova levantei a camiseta verde limão do Força Vegana que
levava na mão), então as pessoas corriam 100 metros e chegavam a um teleférico com capacidade
para 6 pessoas, neste momento estamos aproximadamente a 1030 metros de altura
sobre o nível do mar e fomos subindo de teleférico a mais de 1600 metros de
altura (Aerosillas Séxtuple), num visual espetacular com o frio aumentado conforme subíamos,
conseguíamos observar pela vegetação aonde a neve cobria na alta temporada e os
trechos que eram usados pelos esquiadores, o visual era espetacular e muito difícil de descrever.
Bem,
o passeio tinha que acabar, ao descermos das cadeirinhas logo em seguida estava
o tapete de cronometragem da prova, passava-se por ele com a organização
verificando o seu chip e largávamos cada um no seu ritmo e muitos ansiosos pelo
que vinha pela frente, era um terrão com poucas pedrinhas, no inicio com uma
reta e depois uma descida acentuada já fui passando algumas pessoas, não estava
forçando, apenas num ritmo bom, de repente passa um atleta numa velocidade
enorme correndo meio estranho numa descida íngreme, pensei “Mas já?”, logo em
seguida começavam as subidas, que seriam aproximadamente 4 km de ribanceiras,
logo passei pelo corredor estranho que estava ofegante, como existia uma trilha
na terra formou-se vários corredores indianos de atletas e o ritmo não era bom, então ia
por uma lateral com um volume maior de pedras, mas conseguia ganhar tempo e ir
passando a galera, resolvi levar os bastões que me ajudavam nas subidas,
encaixei um ritmo bom sem estar forçando muito, pois era inicio de prova.
A
montanha que estávamos subindo era a “En las nubles”, quando chegamos a dois
picos por volta de 5 km e 7 km parei para tirar fotos, o lugar e tudo em volta
era belíssimo, pedi para um europeu tirar uma foto minha na primeira parada e
na segunda que era numa estação de esqui onde podia-se usar o banheiro se
quisessem, pedi para um brasileiro tirar uma foto minha, ambas segurando a
camiseta do Força Vegana, depois disso resolvi não parar mais, pois estava ali
para correr, não é? Logo um Condor sobrevoou acima de nós, mas muito próximo,
era uma ave linda e a palavra Liberdade tinha naquele momento um real sentido.
Por
volta do 7,2 km começavam as descidas, técnicas e muito técnicas, seriam
aproximadamente 5 km de ladeira abaixo, primeiro terrão com pedrinhas, depois
areia fofa, neste momento meus tênis foram sugados e meus pés viraram uma
farofa só, com muito areia dentro. Num ponto encontrei com uns brasileiros que
estavam lá torcendo e dando força (eles iriam correr na categoria duplas que começaria um dia depois), os conheci um pouco antes da largada, tiraram
fotos e me deram força, logo em seguida vi uma corredora cair
de joelhos e ralar os dois joelhos, um staff correu para ajudá-la, meu
sinalzinho de cuidado tocou.
Perto
do km 10 encontrei minha amiga, neste trecho era uma descida bem perigosa com
muitas pedras, e como tinham muitas filas tive que procurar novos trajetos ficando
assim mais difícil, meu ritmo estava bom e não queria ficar ali parado atrás
das filas, depois a descida foi ficando mais fácil e alguns eram single track,
as pessoas quando veem que você esta mais rápido deixam passar ou você diz
“passar” e logo é liberado, eu particularmente não me importo de deixarem me
passar se a pessoa esta mais rápida, a maioria das pessoas de ultra e trail
pensam assim.
Depois
de passar por uma área bem aberta com vegetação variando de 1 a 2 metros de
altura entramos numa parte de rochas enormes e já visualizávamos o lago e o
camping que seria a chegada, mas ainda tinha muito caminho pela frente, um
pouco menos de 10 km, logo entramos numa floresta bem fechada com single track,
neste momento já não estava passando muita gente e estava me sentindo cansado, consegui evitar vários tombos feios, mas em um trecho prendi meu pé direito num galho e ia cair de boca no chão, mas consegui me abaixar e jogar o pé esquerdo para frente evitando assim de ter me machucado feio, vi várias pessoas machucadas durante o percurso, sempre parava e perguntada "estás bien?" e "necesita ayuda".
Estava
bebendo água regularmente (mas controlando, havia levado apenas 2 litros), e
comendo, levei rapadura, paçoca e sementes, no final da floresta visualizávamos
a Playa Muñoz / Lago Gutierrez ("o lugar da Patagônia"), onde a costa era cheia de pedrinhas, algumas pessoas neste momento já
estavam andando, continuei correndo, queria terminar logo, estava um sol forte
e com vento, deu um pique legal e terminei exausto com o tempo de 4h32m2s.
O
primeiro trecho havia terminado e ao cruzar a chegada a organização me deu uma
garrafinha de água e outra de isotônico, o Wal, que estava fazendo apoio para sua esposa Fernanda (eles eram de Natal) logo me cumprimentou, andei um
pouco de lado e sentei na grama, bebi, comi e resolvi deitar um pouco, quase
peguei no sono, a Luciana chegou e me acordou, levantei rápido e isso me deu um zonzeia e mal estar, o primeiro dia foi bem pesado e todos no camping
comentavam isso, pelo dia ser o mais curto ninguém saiu achando que fosse tão
duro, fomos pegar nossas malas e procurar a barraca marcada
pela organização.
A
organização fornecia uma garrafa de 2 litros de água para cada atleta, você
também poderia deixar seu GPS carregando, deixei o meu relógio lá e retirei
depois, mas percebi que não havia sido carregado e sabia que no segundo dia não
daria para marcar todo o trecho. As filas continuavam depois da prova, tinha
fila pra tudo, enquanto estava numa destas filas, comecei a escutar uma
movimentação de aplausos e gritos, era a atleta Elisa Forti de 80 anos que
estava chegando, todos pararam tudo que estavam fazendo para homenageá-la,
todos do refeitório levantaram e a aplaudiram de pé, o que aquela mulher estava
fazendo era algo absurdo e aquilo arrepiava.
Fui
tomar um banho, no lago, era o único lugar disponível para isso e não poderia
ser usado produto químico nele, a água estava bem gelada, algumas pessoas só
colocavam os pés, outras nem isso, mas outras como europeus acostumados a baixa
temperatura nadavam na maior tranquilidade, ainda estava bem dolorido pela
prova e meu enjoo não tinha passado, entrei e mergulhei, ao sair da água minhas
dores haviam passado e meu mal estar também, Eitá água gelada curadora da
peste!!! Troquei-me e fui comer.
A
organização disponibilizava comida, tinha carne (a prova é conhecida pelo churrasco que faz), macarrão, não sabiam informar se continham ovo na sua
composição então resolvi não comer, peguei salada, frutas, pão e molho ao sugo,
cada atleta poderia pegar até duas bebidas por camping, tinha refrigerante,
água e cerveja (patrocinadora do evento), resolvi ficar na água. Você poderia
comer quantas vezes quiser, mas os talheres, copo e o prato que constava no kit
você teria que levar e lavar depois, somente o prato do macarrão era fornecido
e devolvido depois.
Resolvi tirar uma
soneca antes da janta e ver se acordaria dolorido, isso não aconteceu, acordei
legal, jantei, arrumei a mochila para o dia seguinte com comida para durar
o longo percurso, na parte da noite foi disponibilizado o resultado da primeira
etapa e os horários de largada para o segundo dia que seria baseado na
classificação do dia anterior, eu largaria no segundo pelotão, passei do 7º
para o 2º, estava entre os 300, como meu objetivo era apenas terminar, pois nos
dois últimos meses não treinei direito, dedicando dezembro a escalada indoor e
janeiro as férias da minha filha, não tinha grandes pretensões e estar nesta
posição já seria lucro demais, no 1º dia parei para tirar fotos e peguei muitas
filas indianas nos percursos e com isso perdi tempo, então largando mais na
frente achava que poderia ter um rendimento melhor, mas isso era assunto para o
outro dia e fomos dormir.
#govegan
Por uma nova consciência esportiva... Independente do esporte.
Continua...