Em
janeiro deste ano resolvi me inscrever na UAI – Ultramaratona dos Anjos, seriam
235 km na categoria Survivor (sem apoio), tem a opção Solo, aonde o atleta vai
com uma equipe de apoio num carro, mas no Survivor você mesmo tem que levar
tudo (comida, roupa, kit obrigatório, hidratação) na mochila e era nesta que eu
iria.
Enviei
o currículo para a pré inscrição e fui aceito, então os treinos precisavam ser
mais pesados e intensos agora, acordando às cinco horas da manhã, independente
do tempo (chuva, sol, frio, calor) lá estava eu nas ruas do meu bairro com uma
camel pesada e subindo ladeira, qualquer rua com subida era desviada para
incluir no treino.
Em
fevereiro fiz uma ultra em Corupá de 46 km com mais de dois mil metros de
elevação positiva, prova duríssima com duração de 8 horas, já em março fiz o 1º
Ultramaratona Soloman em Atibaia com 53 km e também com mais de dois mil metros
de altimetria, foram desgastantes, mas era só o começo.
E
os treinos seguiram fortes, chegando a fazer 120, 130 km por semana, estava me
sentindo bem e confiante e o corpo reagindo bem, precisava só trabalhar a
cabeça, pois seria o ponto crucial no dia da prova. Uns dias antes da prova vi
uma palestra na internet do Marcio Villar onde ele dava a dica de sempre
visualizar a sua chegada nos treinos, sempre imaginando você chegando ao
objetivo final e eu realmente fazia isso nos treinos.
A
largada da prova seria em Passo Quatro / Minas Gerais, passaríamos por
Itamonte, Fazenda da Mata, Alagoa, Aiuruoca, Cachoeira dos Garcias, Espraiado
dos Gamarra (Baependi), Caxambu, São Lourenço, Pesqueiro 13 Lagos e a chegada
de volta a Passo Quatro. Com muitas subidas em montanhas e descidas duras.
No
dia 19 de junho cheguei à cidade na hora do almoço, onde logo conheci o Cleber
Bé que também iria fazer a prova como Survivor, conversamos durante o almoço e
ele me contava a sua experiência na Ultramaratona da Jungle. Depois fui
conhecer a pousada que ficava do lado da largada e encontrei outro atleta o
Itamar Alves onde havíamos nos conhecidos nas 24 horas de Valinhos, peguei
carona com ele e sua família (que fariam apoio para ele na prova) até onde
seria realizado o Congresso Técnico e a entrega do Kit.
Na
entrega do kit, todos assinavam um questionário e termo de responsabilidade,
depois eram mostrados todos os itens obrigatórios para a categoria Survivor
(lanterna de cabeça e/ou de mão, mochila de hidratação com no mínimo 2 litros
de reservatório, porta squeeze, agasalho, segunda pele, luvas, toca, colete
refletivo, apito, cobertor térmico, celular, pilhas de reserva, alimentação
totalizando três mil calorias), era tirada uma foto com cada atleta segurando
seu número de prova e com todos os itens obrigatórios. Também era necessário
levar alguns medicamentos (mesmo eu não usando remédio levei no kit obrigatório)
como anti diarréico, anti térmico, anti vomito, anticéptico, soro e analgésico,
na verdade se tivesse que tomar estaria em maus lençóis, pois não sei
identificá-los fora da caixinha.
Minha
mochila tinha por volta de 6 quilos, hidratação, roupas, kit obrigatório e
comida que por sinal levei até demais. Tinha castanha de baru, nozes chilenas,
tâmaras sem caroço, damasco turco, avelã, macadamia torrada, amêndoa torrada,
pistache, banana passa, batata roxa doce, abobora doce e alguns desidratados
(kiwi e caqui) além de paçoca e rapadura, não levei nenhum suplemento
artificial, a idéia era não só realizar a prova com uma alimentação Vegana, mas
também que fosse natural. Durante o percurso iria também me alimentar nas
cidades.
Na
pousada conheci outro vegano, o atleta Pedro Henrique Braga que mora no Rio de
Janeiro e iria fazer a prova de 95 km (seria sua primeira Ultra e iria sozinho
sem apoio) e se saiu muito bem ficando em 2º lugar na classificação final.
Acordamos às 6 horas da manhã, tomamos café e fomos para a largada, estava
chegando a hora e estava frio, fui com uma segunda pele, camiseta de manga
longa, toca e um lenço para proteger o pescoço, mas estava de shorts. Muitos
abraços, conselhos, boas sortes e fotos para todo o lado. Encontrei o Ultra
maratonista Marcio Villar, ele iria participar da prova de 65 km, onde seria o
último treino longo para a preparação de sua prova de 500 km que faria 20 dias
depois, mas por muito azar machucou o tendão ao descer do seu carro um dia
antes e estava voltado para o Rio, o Marcio me deu um abraço, brincou que todos
da Equipe Força Vegana são pessoas sensacionais e me deu vários conselhos, onde
escutei “sem piscar”, claro!!
Às
8 horas da manhã do dia 20 de junho foi tocado o hino nacional, onde uns
cantaram e outros ficaram em silêncio, cada um na sua concentração, não houve
capela, choros e/ou emoções mais quentes, pois a prova era longa e o controle
emocional é essencial (me desculpem os torcedores de futebol, mas essa explosão
de emoções antes são para os torcedores e não para os atletas). Enfim, com o número
111 no dorsal foi dada a largada.
Comecei
num ritmo não muito forte, mas também não muito lento, vi muitos saírem na
frente, mas não me deixei levar pela emoção de ir atrás, precisava me
concentrar na minha prova, estava ali competindo comigo mesmo, esta era a minha
Copa do Mundo, os treinos foram intensos, a alimentação foi rígida, o descanso
sempre que necessário, tinha consciência que iria sofrer muito, mas com
diversão.
Na
categoria Solo estavam inscritos 19 atletas e no Survivor 14, além dos
quartetos, duplas, 65 km e 95 km, por volta de 70 loucos com seus objetivos
próprios. As provas de Ultra são longas e pesadas, onde você corre sozinho e na
verdade não corre sozinho, pois existe uma família que se forma durante as
provas e uma preocupação maior com o bem estar de todos, pois nos consideramos colegas
e não adversários.
Logo
no primeiro km começo a escutar uma música, que estava vindo do carro onde o
Carlos e a Katherine estavam fazendo o apoio do Tubarão, eles instalaram um
alto falantes em cima do capo da picape e ficando tocando Iron Maiden durante a
prova, descobri afinal o segredo do Reinaldo, estimulante puro escutando a
Donzela hehe.
Após
atravessarmos a Rodovia entremos em um caminho de terra onde passamos por
vários sítios até chegarmos a Itamonte (por volta de 21,5 km), porém antes de
chegar lá por volta de uma hora de prova comecei a sentir uma dor no joelho
direito, uma pontada, uma dor leve, mas que sabia que iria piorar.
18
dias antes
No
último longão (60 km) que fiz de preparação para a prova senti uma dor muito
aguda no joelho direito e fiquei preocupado, afinal nunca tinha me machucado
antes, fiz tratamento intenso e pedi ajuda ao Ronaldo Palleze (amigo da equipe
Força Vegana) que me indicou uma pomada, não tomei nenhum outro remédio.
Faltando seis dias tentei fazer um treino leve de 10 km e senti a dor por volta
dos 5 km e parei para não forçar, ferrou!!! Agora era preparar a cabeça porque
sabia que durante a prova iria sentir o joelho. Resolvi então comprar um par de
bastões para corrida, para ajudar nas subidas e aliviar um pouco o esforço do
meu joelho.
Voltando
a prova, continuei no meu ritmo, pois a dor ainda era bem pequena e ainda
conseguia correr. Logo encontrei com a Meire que estava fazendo Solo, que
conhecia de vista (ela ganhou a 24 horas de Valinhos), Guerreira Insana,
conversamos bastante sobre as corridas e alimentação (ah, ela também fez a
Comrades duas vezes seguidas), trocamos várias informações e foi uma honra
brutal estar ao lado dela. Mais a frente nos juntamos ao Renato Mourão que
estava fazendo Solo e estava com um dos seus Anjos, a Raissa (piada interna
“Fala muito!!!”, melhor não explicar). Continuamos num ritmo bom, corríamos e
andávamos em subidas, pois a prova ainda estava no início, já haviam passado
dos 30 km quando paramos pela primeira vez para comer rápido, lá estavam o
apoio da Meire e do Renato com seus outros Anjos, a Luciana e a Vivian, todos
eles são da equipe Curta Ultra, pessoas sensacionais que tem por objetivo
curtirem as provas, se divertindo muito por sinal e eu ali de intruso só
absorvendo as energias positivas.
Por
volta do 36º km à dor no meu joelho já estava ficando intensa, parei para
urinar e deixei-os irem em frente, coloquei uma faixa no joelho que aliviava a
dor, faltava um pouquinho menos que 200 km, ou parava ali, me poupava e
tentaria voltar ano que vem ou continua e machucaria mais o meu joelho podendo
até causar uma lesão irreversível, se tivesse que dar um conselho a alguém
diria “Pare, se recupere e volta melhor para a próxima”, porém não iria parar
por nada, chegaria arrastado se fosse possível, inconsequente (?), pode ser
(!), mas já estava decidido, intercalei corridas pequenas e andadas rápidas,
muito rápidas, num ritmo forte, o joelho só doía quando corria, então assim
seria, “correr” contra o tempo, 60 horas eram o limite para o termino da prova
e na minha cabeça daria.
Passei
por um mercadinho e parei para comprar água, abastecer a camel e seguir
subindo, encontrei com o Felipe Alves (outro amigo que fiz na 24 horas de
Valinhos), ele estava de Survivor, percorremos um bom trecho juntos onde
subimos uma estrada em fase de construção com vários caminhões, o visual era
belíssimo e não tinha como não parar e admirar aquelas montanhas, a natureza é
impressionante. Quando cheguei ao topo, parei para comer novamente algo rápido
e deixei o Felipe continuar, começou a garoar e coloquei um corta vento e fui
embora descendo num ritmo rápido mesmo andando, mas algo estranho aconteceu,
meu dedo do meio esquerdo estava branco e a unha transparente, não tinha sangue
nele, estava duro como gelo e pensei “vou perder meu dedo”, fiquei fazendo
massagem para que o sangue voltasse, demorou mais voltou, porém depois voltou a
ficar duro de novo, continuei a massagem, aqueci o dedo e ele voltou ao normal,
fiquei preocupado, estava numa serra e a temperatura havia caído bastante, mas
ao sair dela voltou a fazer calor.
Na
Fazenda da Mata onde passamos por várias propriedades encontrei os atletas
Mauricio Takeshi e o Wagner Ricca (ele para quem não conhece “só” dobrou a BR
135), eles estavam fazendo a prova de 95 km, o Wagner já havia completado antes
no Solo e agora estava ajudando o Mauricio, eles me deram muita força para
completar a prova, passamos por Alagoa um pouco antes das 18 horas onde paramos
na chegada dos 65 km e comemos algo rápido no PC, o próximo objetivo agora era
chegar a Aiuruoca. Com a escuridão já presente, pegamos o colete refletor e as
lanternas e seguimos em frente, às vezes estamos juntos, às vezes um pouco
distantes, mas sempre nos comunicando, consegui manter um ritmo forte e dei
algumas corridas, porém por volta do km 80 quebrei geral, não sei se foi por
causa do corpo dando sinal de cansaço, mas não conseguia reagir e manter o meu
ritmo e assim diminui e pior a minha água havia acabado, estava no meio do nada
e agora precisava chegar ao próximo PC, visualizava as luzes da cidade de longe
e como não tinha nem lugar para sentar segui em frente, a noite estava
esfriando e encontrei um ponto de ônibus coberto (deve passar um por dia
naquela estrada), me agasalhei, coloquei luvas, toca e fui embora, logo
encontrei o carro da organização com o Niltinho e a Paola (eles foram meus
Anjos, ficavam passando pelo percurso e verificando os atletas, isto
reconfortava) peguei uma garrafinha de água, que era o suficiente para chegar
até a cidade.
Faltando
uns 6 km para chegar à cidade, dois carros de apoio revezavam sempre passando
por mim e ficando a 1 km a minha frente, quando chegava perto dos carros um
deles sempre acendia os faróis me ajudando a enxergar naquela escuridão total
que estava (mesmo com a minha lanterna estava muito escuro), agradecia e seguia
em frente. Ao chegar a Aiuruoca (95 km) por volta da meia noite e meia ainda
não sabia se iria parar para descansar e subir depois para a Cachoeira dos
Garcias (o ponto mais alto de altimetria), os conselhos eram para descansar e
subir depois, mas como meu ritmo havia diminuído por causa do meu joelho e o pé
direito que agora também estava doendo, não queria perder tempo e não sei
explicar, mas ao chegar à cidade minhas energias estavam renovadas, eu não
queria parar, queria seguir em frente e tomar a sopa quente que estava sendo
dada no próximo PC, no alto da cachoeira. Abasteci a camel de água, bebi um
café quente e segui para o alto e avanti, calculei umas três horas de subida.
Subida
de asfalto e terra pesadas, um carro passando por outra lado me viu e voltou
para a minha direção, percebi e achei que fosse alguém da organização ou algum
apoio, mas não era um carro com cinco pessoas que moravam na cidade, pararam o
carro e me deram apoio com palavras e me explicando como eu deveria fazer para
chegar até o alto da cachoeira. Um pouco antes de chegar parei numa
encruzilhada e fiquei na dúvida, pois não consegui achar a sinalização, parei,
sentei e resolvi esperar, mas logo escutei uma voz vindo de um dos lados, fui
em direção a duas pessoas que estavam voltando, um atleta que estava passando
mal estava desistindo e seu pace o estava acompanhado de volta a Aiuruoca, me
indicaram o caminho e disse para eles descansarem na cidade e de manhã se
estivessem bem continuasse, pois daria tempo.
Mais
a frente escutei uma voz um pouco atrás de mim, alguns estavam vindo, essa
sensação de não estar sozinho era boa, visualizei a placa da cachoeira e segui
em direção a pousada onde ficada o posto de controle da prova, demorei um pouco
mais de duas horas para chegar menos do que esperava, tomei duas pratadas de
uma sopa de legumes quentíssimas e um café que me aqueceu bem, afinal lá em
cima estava muito frio, logo depois chegaram o Renato, a Raissa e a Patrícia
(que também estava fazendo Survivor), a mulher que estava no PC (desculpa
imensas, pois não lembro o nome dela) foi sensacional me disse para ir dormir e
que ela iria me acordar quando quisesse e a descida era muito perigosa e seria
bom estar um pouco descansado, não estava cansado, mas resolvi descansar,
deitei e dormi direto, meu relógio tocou uma hora depois, levantei tomei um
café forte (acho que tomei mais café em três dias do que nos últimos dez anos,
pois normalmente não tomo café). Olhei meu pé, tirei o silver tape que coloquei
nos dedos (junto com vaselina) eles estavam até bem, mas o pé direito estava
inchado e doendo, talvez por causa da maneira que estava pisando para poupar o
joelho. O pessoal resolveu ficar um pouco mais deitado então resolvi continuar,
recebi vários conselhos da dona da pousada sobre as descidas que eram perigosas
e como estava úmido deveria tomar muito cuidado.
As
descidas eram chatas com partes de terra lisa em que os tênis escorregavam
muito. Fazendo um adendo resolvi correr com o meu Asics Gel Fuji Trainer 2
(semi minimalista) por causa do joelho ao invés do minimalista Sprint Tennis
que levei, mas deixei na pousada em Passo Quatro, não levei tênis reserva na
mochila, precisava levar o mínimo de peso (e depois da prova percebi que os 6
quilos foram demais daria para ter levado um pouco menos). Haviam também
descidas com pedras muito pontiagudas que machucavam bastante os pés. Mas não
foram só descidas, houve muitas, mas muitas subidas até chegarmos ao Espraiado
do Gamarra, numa destas subidas vi uma vaca morta, provavelmente quebrou a perna
na descida, comecei a escutar uma vozinha bem longe e tinha certeza que era a
galera do Curta Ultra e logo me alcançariam já o calor estava aumentando e
parei para tirar quase toda a minha roupa (só lembrando que fiquei três dias
com a mesma roupa e não tomei banho durante a corrida), podem torcer o nariz,
mas não poderia perder tempo, porque o meu ritmo esta menor. O Renato e a
Raissa acharam um pé de limão e pegamos algumas que estavam maduras e quando
encontramos o carro de apoio da organização o Renato fez uma limonada e comi
dois pedaços de goiabada que o Niltinho com sua faca do Rambo cortou.
Depois
quando passei por uma ponte e olhei para o rio, encontrei a Raissa e o Renato
me chamando, eles estavam dando uma recarregada de energia numa água
geladíssima, a Raissa chegou a mergulhar e saindo parecendo um picolé, porém
feliz da vida hehe, tirei meus tênis e percebi que meu pé e tornozelo direito
estavam muito inchados, eles me aconselharam a deixar meus pés e joelho de
molho por um tempo naquela água para dar uma aliviada, estava muito fria mesmo,
mas depois de um tempo o corpo se acostumou com a temperatura e as dores
cessaram por um bom tempo.
Mais uma caminhada
agora em terreno quase plano e logo depois cheguei ao bar do Nadinho, onde
encontrei muitos atletas e apoio, e parei para almoçar junto com a galera de BH
(Curta Ultras), comi (não muito) arroz, feijão, macarrão e salada e logo sai, iria
fazer a digestão caminhado, pois não queria perder tempo, a Patrícia me
acompanhou e a Anjo Luciana nos avisou que faltavam por volta de 103 km.
Houve
uma modificação num trecho este ano e nos foi alertado sobre isso no Congresso,
e claro que eu não vi esta marcação e erramos feio, eu, a Patrícia e o Renato
que estava a nossa frente, o erro nos custou mais ou menos 4 km, depois ao
voltar, a marca estava lá bem visível, erro por falta de atenção. O próximo
destino agora era Caxambu, antes de chegarmos, parei novamente em um bar e
comprei três litros de água para que não faltasse na madrugada, e a mochila
voltava a ficar mais pesada, mas naquela altura o peso dela não estava mais
fazendo diferença, o corpo já havia se adaptado. Como escurecia cedo, já
aproveitei e coloquei o colete refletor e peguei a lanterna, esta parte até a
próxima cidade era de pouca visualização e só se enxergava com a luz da
lanterna.
Falando
em visões, vi muitas nas duas noites, qualquer arbustos era visto como uma forma
idêntica de um animal qualquer, pessoas (?), vi muitas, perante os meus olhos
eram perfeitas e quando chegava perto não era nada, sentia vários calafrios,
neste momento estávamos eu e a Patrícia, e ela concordou com algumas visões
minhas, já em outras disse que eu estava delirando, mas as pessoas estavam ali
e eu me sentia bem em vê-las, estávamos num ritmo bem forte, já estava olhando
para o relógio e fazendo contas e logo chegamos a Caxambu e paramos na
rodoviária para comer, e lá vai mais paçoca e café, logo seguimos adiante,
queria chegar a São Lourenço até as quatros horas da manhã.
Neste
trecho percorremos uma parte da Estrada Real (eram por volta de 12 km), esta
estrada foi um caminho trilhado pelos colonizadores na época da descoberta do
ouro, havia vários pontos indicando o quando faltava e o quando tinha sido
feito em km. O frio aumentava, junto com a escuridão e o aumento das visões e
sons identificáveis. De repente vi um carro e falei “poderia ser a organização
com um café quente”, dito e feito eram a Paola e o Miltinho no meio da madruga
nos oferecendo um café quente, água e comida, só tomei o café, coloquei toda a
roupa que tinha na mochila, menos a calça, pois não estava com frios nas pernas
e no pé e seguimos adiante ainda num ritmo forte. Não tenho muita certeza, mas
acho que faltando uns 10 km para chegar até o próximo PC quando uma cadela vira
lata linda, branca com uma mancha preta nas costas parecendo uma capa começou a
nos seguir, brinquei com ela, fiz alguns cafunés, conversei com ela e pedi para
ela me ajudar (a chamava de “De Anja”), e ela foi durante estes 10 km nos
seguindo, ou melhor, nos orientando, ela ia à frente, parava, esperava eu
chegar e continuava, em alguns cruzamentos em que tínhamos que parar para poder
visualizar as setas de sinalização da prova ela estava (podem acreditar) no
local certo nos indicando mesmo por aonde iríamos, cruzamos a BR e chegamos à
entrada da cidade, atravessamos toda ela por mais alguns quilômetros e um pouco
antes de encontrarmos o PC ela parou em frente ao uma embalagem de pizza cheia
de esfihas e ficou me olhando, disse para comer tudo, pois ela merecia e não
nos vimos mais, pois continuei e ela ficou lá comendo.
Chegamos
ao PC (por volta de 180 km, faltavam agora 55 km) às três da manhã, há uma hora
antes do previsto, disse para a Patrícia dormir que eu a acordaria depois de
uma hora, fui ao banheiro e depois passei a pomada e arrumei a faixas do
joelho, pé e tornozelo, dormi dentro de um carro que eu acho que era da
organização, ou melhor, tentei, o celular do cara que estava dormindo do meu
lado (que não sei quem era) não parava de tocar e quando o meu tocou
despertando levantei rápido, dormi por volta de uma hora e meia nas duas
noites, já era o suficiente!
Subimos
mais uma serra e o frio estava intenso, muito mais que na noite anterior, ainda
iria demorar um pouco para amanhecer e com aquela neblina toda o sol não iria
dar as caras tão cedo. No meio daquele breu encontramos o Renato e a Raissa
novamente e logo atrás iluminando tudo vinham no carro a Luciana e a Vivian,
devo aqui registrar que o Renato foi muito Guerreiro e seus Anjos foram
sensacionais, até confesso que peguei um pouco das energias deles hehe.
Estava
preocupado com o tempo por causa do horário do meu ônibus que estava marcado para
as 18h20, era o último ônibus do dia para São Paulo e se perdesse não saberia
se conseguiria voltar no dia seguinte, e eu tinha que trabalhar, pelas minhas
contas estava em cima do horário para poder chegar, tomar banho e ainda ir para
a rodoviária, então comecei a acelerar, mas as dores foram ficando maiores
conforme ia chegando perto do último PC, meu ritmo diminuiu e a Patrícia me
alcançou e me deu forças para continuar, quando chegamos a mais um objetivo,
paramos num bar e comemos, pedi uma limonada sem açúcar e pão com azeite e sal,
foi acrescido tomate pelo dono, a Tomiko estava lá trabalhando como staff na
prova e me deu um grande apoio, até refez a minha faixa do pé e do tornozelo,
eles estavam mais inchados, nos disseram que faltavam 21 km, então pensei,
“putz!!! dá tempo de chegar até as 16 horas”, arrumei as coisas e sai rápido.
Tinha
um bom trecho de asfalto e depois mais uma serra para atravessar, a dor tinha
passado e o ritmo continua rápido, depois que a parte da rodovia terminou pelas
minhas contas faltava pouco mais de 15 km, senti uma energia muito grande por
estar ali e comecei a chorar, sim chorei muito, pensei em todo o esforço que fiz
nos treinos e nas pessoas que acreditaram e torciam por mim. Era cedo ainda
para chorar e isso poderia me custar caro, continuei num ritmo forte, vieram
então às ribanceiras, subidas num calor estridente e minha água já estava
quente por causa da alta temperatura, molhava a boca e cuspia só para dar uma
refrescada, encontrei o Waldez (pessoa fantástica que foi para o Ushuaia de
moto) que estava fazendo apoio para um atleta que me ofereceram para tomar
banho de água com gás, aceitei, afinal precisava daquele “gás”, molhei bem a
cabeça, mas recebi uma noticia que me deixou realmente abalado, nas minhas
contas faltavam 6 km, mas fui informado que na verdade faltavam 16 km, “Como
assim??????????”, “Não pode ser!!!!!!!!!!!!!!”.
O
tempo já tinha ido para a cucuia, aquilo foi um golpe pesado, senti meu corpo
mole e sem forças, tentei correr, mas não tinha coordenação motora, continuei
caminhado, mas muito lento, a Patrícia me alcançou e viu meu estado, me deu
broncas e disse para continuarmos, faltando uns 10 km, numa bifurcação ela viu
uma flecha que descia e eu vi uma flecha que subia, ficamos discutindo e aceitei
a posição dela, descemos e nos ferramos, aquela seta era do pessoal que faz
trilha de bike e quanto descobrimos isso já estávamos muito longe, pedimos
ajuda nas casas e nos informaram um caminho para voltar ao nosso caminho, ou
voltamos e continuávamos ou iríamos para o outro lado e saiamos da prova, estávamos
no meio do caminho, mas sinceramente não tinha mais forças, não queria mais
continuar, queria ir embora, queria que a organização fosse nos buscar, desisti
mesmo, chega, ACABOU!!!!
Fiquei
pensando nas pessoas que iria desapontar, na minha Equipe, nos meus amigos, da
minha filha que sabia onde eu estava e confiava que eu conseguiria. Recebi várias
mensagens de incentivo antes, do Roberto Sacchi, do Daniel Caldas, do Ronaldo Palleze, do José Luiz, da galera do
serviço, recebi mensagens durante a prova da Faby Servilha e do Rafa Alves, mas demorei a vê-las
porque na maioria dos lugares o celular não tinha sinal. O incrível é que eles
confiavam mais em mim do que eu mesmo. Achei que realmente não deveria ter
feito a prova, me machuquei alguns dias antes da prova, um mês antes quase
desisti de ir por causa do acidente do Diego em que até pensei em parar de
correr, quando não conseguia nem vestir o tênis para treinar e somente depois
que ele recebeu alta do hospital consegui voltar aos meus treinos. Já estava
conformado em não terminar.
Sentei
mais a frente e quando a Patrícia passou me pediu desculpas, de cabeça baixa não
respondi, levantei e continuamos caminhando, ela conseguiu falar com a
organização para vir nos buscar, subimos uma ladeira, passamos por porteiras e
voltamos à estrada, tirei meu numero, dobrei e coloquei na mochila, vesti o
corta vento e esperei, quando a Paola e o Niltinho chegaram, o Delino (que
venceu a prova do Survivor) também estava dentro do carro e me disse que também
errou no mesmo lugar que nos, naquele momento estava com muita raiva, eu iria
terminar esta prova de qualquer jeito, informei que não me importava de ser
desclassificado e que terminaria mesmo que chegasse de madrugada, eles foram unânimes,
não me deixaram desistir da prova, mandaram colocar o numero, pois eu estava
ainda na prova, disse que tinha errado o caminho, mas tinha dado uma volta
enorme e o Niltinho até brincou dizendo que cobraria uma taxa maior por termos
corrido mais.
A
minha raiva estava latente, não sentia mais nenhuma dor no corpo e queria
morder a estrada e terminar logo, faltavam mais ou menos 5 km, estava começando
a escurecer, disse para a Patrícia que o nosso erro poderia ter acontecido com
qualquer um e eu não a culpava por isso (ta certo que na hora eu quis matá-la),
e estávamos juntos nessa. Desci aquela ladeira muito rápido, não coloquei
colete refletor e nem peguei minha lanterna, descia batendo os bastões no chão
para saber onde estava pisando, de repente escutei um barulho atrás, a Patrícia
tropeçou e quase caiu, ela estava com muita dor e estava num ritmo um pouco
mais lento, parei esperei e segui no ritmo dela, iríamos terminar juntos, o
tempo era mais que suficiente.
A
Pâmela que estava de carro estava levando o Wendell que se machucou feio e
havia parado, perguntei com estava o Adonis que estava junto e ela falou que
ele estava tendo dificuldades, mas estava vindo, avisei que se ele parasse iria
lá buscar ele e iríamos terminar juntos. Faltando 2 km nos juntamos, eu a Patrícia
e o Adonis, iríamos terminar todos juntos, logo entramos na cidade, mas andar pelas
ruas de pedras da cidade faziam as dores voltarem, visualizamos a praça e
combinamos de cruzar os três com o pé direito na chegada. ACABAMOS!!!!
Eu e o Adonis até conversamos com o Fernando na chegada sobre os atletas que ainda estavam chegando e mereciam ser recebidos independente se o tempo limite estourasse e deveriam ganhar o reconhecimento do evento por ainda estarem lá lutando para chegar (E isso aconteceu, que fique registrado!!!).
O
mais surpreendente de tudo é que nos três terminamos empatados em 2º lugar na
categoria Survivor no resultado oficial, com o tempo de 58 horas e 48 minutos,
isso foi o que menos importou nisso tudo, sem demagogia, o objetivo era
terminar e agradeço de coração a organização da prova Ultra Runner e a todos os staffs que foram super atenciosos comigo, aos atletas e apoio que lá estiveram e aos
pensamentos positivos das pessoas de longe, porque foi muito duro e
gratificante. No final o Fernando responsável pelo evento me confidenciou os apelidos que me foram dados durante a prova, como resolvi tirar a barba e deixar só o bigode, fui chamado pelos staffs como Santos Dumont, Freddy Mercury, Benito de Paula e por ai vai quando comunicavam a minha passagem pelos PCs.
Fiquei
feliz com o resultado do Itamar e sua família no apoio, a Meire Assis, ao Renato
Mourão e seus Anjos, ao Tubarão e sua equipe, o Ricardo e a Fabíola, a todos
que completaram e admiração aqueles que não conseguiram terminar, porque
desistir é com certeza uma decisão muito mais difícil, ao Felipe Alves que
fiquei sabendo na chegada que havia desistido e não consegui falar com ele, ao
Cleber que parou faltando 8 km (se machucou torcendo os dois pés), ao Pedro Paulo
que também se machucou (já éramos amigos no Strava onde ficávamos espionando um
o treino do outro, hehe), muita gente saiu machucada e não conseguiu terminar,
a prova é duríssima e esperava fazer em um tempo bem menor, mas devido ao
estado que cheguei, não tenho o que reclamar.
O
mais difícil foi levantar no dia seguinte às 6 horas da manha para arrumar as
coisas e ir embora, com todos os dedinhos machucados e os dois pés inchados e enfaixados, um enorme agradecimento a Dona Doca da pousada de Passo
Quatro que me fez um chá quente e me salvou de uma hiportemia na madrugada pós
prova, onde eu estava dormindo sem coberta e com uma toalha molhada na cabeça e tremendo como uma vara curta,
pois capotei quando só queria dar um esticada nas pernas na cama, depois do
banho.
Eu
e a Tomiko fomos embora na segunda de manhã e já no metrô em São Paulo junto
com o Cleber combinávamos a próxima aventura em terras bem distantes.