O
despertador toca, são 5h25 da manhã, ainda esta escuro
e frio, dormi menos de 4 horas e me pergunto - “Tenho mesmo que
levantar?”. As próximas 30 horas vão ser longas e
desgastantes, olho para o quarto do lado e vejo o Diego se
levantando, escuto barulho no outro quarto e começo a escutar
a voz da Cris - "Vocês não vão levantar
não?", ela entra com o celular na mão tocando a
trilha sonora do Rocky Balboa. Agora sim, Ultra 24h, lá vamos
nós!
Saímos
de São Paulo em dois carros, eu, Pedro, Ronaldo, Fabiana e
nosso veganinho Venâncio, e no outro carro foi a Erika, Rafa,
Cris, Diego, Julia, Digo e Rodolfo. Ao chegarmos em Valinhos
encontramos o resto da família, Jhonatan, Ketilin, Bianca,
Liana, Daniel, Eloisa, Maria Angela, José Luiz, Débora,
Lucas e Celso. O nosso camping estava enorme e a energia a mil.
10
horas da manhã é dada a largada, começa a IV
Ultramarathon 24hs Run de Valinhos, minha estratégia é
correr uma hora e descansar uns 20 minutos para poder fazer mais de
100 km, a maior quilometragem que tinha feito antes foi 75 km. No
começo vamos eu o Ronaldo e o Lucas, num ritmo calmo e
sentindo a pista de 1,3 km. Depois de uma hora dou uma paradinha no
banheiro, mas estou bem e resolvo continuar mais um pouco, depois de
mais quinze minutos me avisam que o meu chip não estava
marcando as voltas, caraca, devo ter feito uns 13km por nada, resolvo
desencanar total da prova, e continuo correndo, com duas horas de
prova e ainda bem passo pelo nosso camping, como algo rápido e
vou embora, quer dizer minha estratégia inicial foi pra
cucuia, agora é só correr.
Converso
com o Ronaldo que me diz que também errou ao colocar o chip,
mas conseguiu recuperar a metade das voltas com a organização,
pensei - "vou lá chorar também", me
devolveram 5 voltas, melhor que nada. Então resolvi fazer uma
estratégia suicida, só vou parar para comer, trocar o
tênis e massagem quando estiver crítico, quero ver aonde
vai o limite do meu corpo. Preferi correr sem camisa, mesmo na chuva
para não ter que ficar trocando, agora o tênis não
teve jeito usei 4 pares e acertei em usar o de tamanho maior no fim,
pois os meus dedos estavam inchados e doloridos. Parei bem pouco para
comer no nosso KG, quando parava comia rápido ou pegava algo
que os Anjos (Liana, Débora, Erika e Fabiana - bem definido
pelo Franz) davam e continuava correndo, a organização
colocou muito líquidos e frutas para os atletas, além
do macarrão e arroz em pratinhos que dava para comer enquanto
caminhava.
Com
o passar das horas, a pista parecia ser cada vez maior, as voltas
demoravam mais, ai é que a cabeça tem que estar
preparada. Tive a oportunidade de sempre encontrar alguém da
equipe Força Vegana e correr com eles, além do Ronaldo
e Lucas no início, o Celso, o Jhonatan, o Rafa e o Diego que
estavam na dupla, o Rodolfo, o Pedro e o Daniel que corremos juntos
por muitas voltas. Correr com esta galera foi uma honra, e estou
sempre aprendendo com eles, e as meninas guerreiras que sempre quando
passava ficava incomodando elas. Essa força mutua da Família
que formamos nos tiram de situações que parecem até
irreversíveis.
As
brincadeiras eram o ponto forte, ao passar pelo tapete de
cronometragem, escuto alguém gritando - "Vai Jesus!",
olho para o cara e dou um sorriso, conto para o Digo e na outra volta
o nosso camping inteiro começa e me chamar de Jesus, é
vou me lembrar que não posso contar nada para ele, mas ele foi
guerreiro ficou o tempo todo acordado e dando força sempre que
passava, além da Cris (esta é doida varrida) que passou
o aniversário dela conosco, e até parei na madruga para
comer um pedaço de bolo de aniversário que rolou. O
Venâncio sempre me motivando e gritando para correr mais e a
Julia que só sabia me zoar e deu até uma volta comigo,
mas consegui um abraço dela mesmo eu estando todo suado,
argh!! A Fabiana e a Erika sempre lá dando força a
todos, e a Liana e a Débora sempre se mostrando preocupadas e
oferecendo comida.
A
pista estava muito vazia na madrugada, cheguei a correr quase uma
volta inteira sem ver ninguém, tinha galinha, coelho e ganso
em grandes quantidades, um ganso até veio pra cima querendo me
picar, se tivesse conseguido, já era a prova, ao passar por
debaixo de uma árvore senti um pingo, sera que uma galinha fez
coco em min?? Olhei e não vi cor e nem cheiro, vai saber,
estava tenso, cheguei a chorar em algumas voltas, não sei
explicar o motivo, não era dor, nem medo, era uma sensação
difícil de explicar, vou ficar devendo uma palavra melhor para
este momento. Vi até vulto, acho que aquele parque é
assombrando, vai saber com um monte de maluco lá, isto deve
atrair. Quando deu uma hora da manhã completei 100 km.
Consegui, mas não vou parar, quem sabe dá 150k, para
comemorar corri duas voltas com um chapéu imenso do Mickey,
até escutei uma pessoa dizendo - "ai tá tirando,
eu não to conseguindo nem correr e ele esta com este chapéu
imenso", hehe, comecei a correr mais rápido.
Usei
os massagistas 4 vezes, nas duas primeiras vezes pedi as massagens
nas coxas (adutor e abdutor) e para falar a verdade não senti
muita diferença, e nem achei que fosse usar de novo, mas de
madrugada o Jhonatan falou que eu estava andando que nem zumbi, todo
torto, meus joelhos estavam doendo muito e não estavam
aguentando o peso do meu corpo, com isso minha lombar ficava
sobrecarregada, causando dor nela também, como estava andando
na primeira parte da pista e correndo na segunda, conseguia correr
mas ao andar sentia muita dor e não conseguia ficar ereto,
eram quase 2 horas da manhã já haviam passado 16 horas,
tinha que parar para descansar e ver se a dor passava, nesta hora
fiquei com medo que talvez não terminasse a prova, mas não
queria parar, então fui no massagista que era outro, pois
havia revezamento deles (para minha sorte), e perguntei se ele
conseguia dar um jeito nos meus joelhos e lombar, depois de ficar 5
minutos na banheira de gelo e receber uma massagem muito dolorida me
senti inacreditavelmente renovado, não estava sentindo nada,
conseguia correr a volta inteira. A prova estava recomeçando.
São
6 horas da manhã, já amanheceu e parece que não
vai chover mais, faltam 4 horas, o dj volta a tocar e coloca mais uma
trilha do Rocky Balboa, não vou discutir as músicas que
rolaram durante a corrida, pois foram de diversos gêneros
musicais, mas quando tocou Menudo, foi divertido. Algumas pessoas
começam a acordar e voltavam a pista, acho que por ter ficado
na pista devo ter acumulado bons quilômetros, não estava
pensando na classificação, pois no telão a
posição não estava correta, só o número
de voltas e os kms que estavam, então continuei correndo
somente para a minha meta pessoal.
A
partir deste momento a única dor que incomodava era nas
canelas, estava conseguindo correr quase como se fosse o começo
da corrida. Fiz várias amizades durante esta longa jornada,
outras pessoas que como eu estavam lá apenas para correr, o
Felipe Alves, o Misa Almeida e Wellington Camargo, o Itamar
Bernardineli, e o Delino Tomé, conversamos nos demos forças,
nos empurramos. O Paulo Fanti que estava fazendo apoio para o Jose
Luiz também ajudou muito, o motorista da van da nossa equipe
que veio do Sul, o Pedro que correu junto com as meninas na
madrugada, pessoas de outras equipes, como o do Branca que sempre
davam palavras de apoio e até a galera da organização,
fazer Ultra desmente o fato que correr provas de corrida é
cada um por si, todos se tornam uma família só. O Franz
que apareceu lá no sábado a tarde e domingo de manhã,
sempre perguntando se estava bem, se queria alguma coisa e dando
força, fez até um pratinho de comida enquanto trocava
meu tênis. Estes atos fazem muito a diferença. Te da
segurança e obrigação de fazer o seu melhor!
O
Diego e o Rafa estavam disputando a primeira posição
nas duplas e precisavam acelerar, como eu também queria bater
minha meta comecei a forçar. Por duas voltas quando o Rafa se
aproximava e gritava - "Vamos", corríamos juntos e
fortes, mais fortes mesmo, em um momento que ele pediu para eu puxar
e tinha um transito enorme na nossa frente, fui fazendo zigue zague e
acelerando, cheguei a escutar um - "Nossa, que isso!", mais
tarde o Diego disse que falaram que tínhamos comido alface
envenenada, hehe, a dupla que estava em segundo não aguentou e
começou a andar, quando vi vibrei, este primeiro lugar é
deles, ninguém tira, mas os loucos continuaram acelerando.
Encontrei
com o Itamar, ele esta treinando o ano inteiro para a BR, e faltando
cinco dias para a Valinhos se machucou, mesmo assim veio e com dores
estabeleceu uma meta e mesmo correndo e andando foi atrás
dela. quando passei por ele perguntei quanto faltava, para a minha
faltavam 3 voltas e para ele 4 voltas, então disse - "Vamos
juntos, esta ninguém tira de nós", em um ritmo bom
fomos juntos, ele corria puxando a perna mas fez as 4 voltas, e
depois ainda mais. Outra surpresa muito agradável no final foi
o Daniel Meyer que sentiu durante a prova, mancou muitas voltas e
voltou a correr e forte como um alucinado (no seu normal). Na
penúltima volta eu, o Rafa e o Daniel fizemos uma volta muito
rápida juntos, era para fechar com chave de ouro, agora na
última volta senti uma dor imensa na canela esquerda, fiz
mancando e cheguei no final cansado, com dor e muito mais muito
realizado com toda a FAMÌLIA VEGANA lá para curtimos
juntos.
As
meninas, Eloisa, Bianca, Ketilin e Maria Angela subiram no pódio,
o Pedro, Daniel, José Luiz e Lucas também subiram, além
do Rafa e do Diego nas duplas, todos tinham certeza que eu subiria,
eu mesmo não tinha esta certeza, mas quando escutei meu número
(29) anunciado como 3º colocado na categoria 40-44 anos (com 156,350 Km, sendo o 11º no geral), ai sim
acreditei.
Foi
legal? Foi! Mas sem demagogia o que mais te deixa satisfeito e
realizado é o reconhecimento das pessoas que estão ali,
o parabéns de toda a nossa equipe, dos outros atletas e de
suas equipes, e do pessoal da organização, ter o
respeito destes Monstros vale mais que qualquer medalha e/ou troféu
ganho.
Quantas
vezes nesta loucura de vida não nos pegamos pensando em como o
dia é curto e que teria que ter mais de 24 horas para podermos
fazer tudo que queremos... Bem neste dia as 24 horas foram
suficientes para as realizações significativas!
Momentos
como esse são eternos, só espero nunca perde-los!