domingo, 27 de outubro de 2013

Minha primeira Ultramaratona - Bertioga-Maresias 75 Km



Sábado, 19 de outubro de 2013, por volta das 2 horas da manhã, depois de só dormir 30 minutos, estamos enchendo o carro com os mantimentos para ir ao litoral, pois as 6 da manhã irei competir na Maratona Bertioga-Maresias 75Km, minha primeira Ultramaratona.

O Roberto resolveu correr e ver o quanto aguenta, pois esta voltando de uma contusão e ainda sente dores. A Vivian e o Alexandre, namorada e amigo respectivamente do Roberto vão juntos para fazer apoio. Mas temos uma parada obrigatória antes de irmos, afinal temos que pegar mais uma pessoa para o apoio, Tomiko, uma garota de 63 anos que uma semana antes fez um aprova de 80 Km, o La Mission, considera uma das provas de Trail Runners mais difíceis do Brasil.

Sim, a lenda viva Tomiko iria para fazer apoio para mim. A responsabilidade aumentava, a minha cabeça que era o que mais me preocupava estava sendo trabalhada a várias semanas, eu não iria desistir, o meu corpo iria sofrer, fui bem treinado e sabia que poderia faze-lo, mas somente se a minha cabeça estivesse bem. Carro cheio de apoio e comida, vamos embora descer a serra, durante a viagem sentado ao lado da Tomiko no banco de trás, fico escutando as estórias dela, de suas Ultras, a mulher é uma inspiração, me sinto privilegiado por te-la por perto nesta que sera a corrida da minha vida.




Chegamos na balsa de Bertioga, local da largada, ainda faltava uma hora e resolvi colocar meus fones e tentar me concentrar, pois só queria correr, teria a companhia de quase 200 pessoas que iriam fazer solo, e eu ali no meio daqueles Monstros. Faltando uns 20 minutos para a largada recebi um sms do meu amigo Franz, me desejando boa sorte, estava absorvendo todas as energias que recebia, isto faria a diferença.

Comemos um pouco e fomos para a largada, recebemos os últimos incentivos e conselhos da equipe de apoio e esperamos o tiro de largada, só pensava na enorme planilha de treinos por que passei e porque estava ali, aquele era o momento que esperei. Eu e o Roberto nos cumprimentamos e fomos embora, o tempo estava bom, agradável, só esperava que não fizesse muito sol, no início o pessoal vai segurando o ritmo, afinal tem muita coisa pela frente, a areia da praia do Indaiá é dura, mas mesmo assim corremos perto da água, mas como toda praia existem valas e ou você pula ou molha os pés, em algumas não adiantava nem pular de tão grande, o Roberto ao pular uma sentiu a panturrilha, estávamos no primeiro km e ele resolveu que não dava, pois doia muito, me desejou sorte e me mandou embora.

Tentei me concentrar para não forçar e nem diminuir o ritmo, não estava competindo com ninguém, somente comigo mesmo. Eram 8 trechos e resolvi pensar neles um a um, não corri de relógio, não queria marcar tempo nem quilometragem, corri livre somente para chegar, mas na minha cabeça queria no fundo fazer abaixo de 9 horas. No fim do primeiro trecho resolvi que seria melhor correr sem a camelback, na chegada do primeiro PC a Tomiko me perguntou como estava e o que eu queria, dei a camel e só peguei o celular para nos comunicarmos e disse que comeria depois, bebi um copo de isotônico que a organização estava fornecendo e fui para o segundo trecho, este saia da praia, entrava numa parte de lama e depois outra praia, estava começando a me divertir.

Visualizei um cara (sou péssimo para nomes) na minha frente e fui acompanhando, logo estávamos trocando informações e nos ajudando, estávamos num ritmo até rápido sem exageros, mas rápido, passamos pelo PC 2 (praia do Riviera e Morro do São Lourenço) voando, não consegui ver o apoio quando passei, então enviei uma mensagem para o Roberto para me encontrar no PC 3, fiquei me hidratando com água e isotônico que a organização fornecia, mas lembrei do sal, estava bebendo muito liquido e deixei meu sal da camel, droga, não queria causar problemas ao meu corpo, já estávamos correndo num grupo de quatro pessoas, mas estava apertado querendo fazer xixi, quando saímos da praia e entramos em outra trilha de lama e vi uns arbustos enormes resolvi para e aliviar, até escutei um cara de bike gritando - “Parando para aliviar o peso, é isso ai, rsrs”, tinha muita gente fazendo apoio de bike e iam do nosso lado, lembrei do Diego, ele iria curtir tudo isso. Quando voltei resolvi não tentar alcançar os caras, vou fazer a minha corrida, logo entramos na autoestrada e lá vai eu ingerir mais liquido, cadê o sal para equilibrar, vou ter problemas!




Nesta altura já haviam pessoas do revezamento que estavam num ritmo bem mais forte, claro o percurso deles era menor e ao chegar próximo ao PC 3 (portaria do condomínio Guaratuba II), as pessoas já batiam palmas e gritavam palavras de incentivo junto ao apelido/sobrenome que escutei muito para mim, “SOLO”, as vezes alguém gritava também - “Vai Vegano”, correr com a camiseta do Força Vegana faz muito a diferença. Quando cheguei no PC comi batata e pedi a camel para pegar o sal, escutei a Tomiko gritar - “Bebe água!”, e eu gritei de volta - “Já bebi muito!”, tomei uma capsula de sal e fui embora, ao entrar numa nova praia visualizo uma garota linda com um cachorro enorme, ela para, se abaixa e começar a me olhar fixamente e me passa um sorriso “assustador”, quase perdi o foco, acho que ela estava olhando minha camisa e vendo o quanto eu era louco, apenas sorri de volta e absolvi toda a energia que ela conseguiu passar e pensei no próximo PC, mas uma longa praia pela frente, nesta altura não tinha muita gente nas praias, apenas pescadores e a galera do staff.

Ao chegar ao condomínio Guaratuba Quadra A no PC 4 já haviam se passado 28,5 Km, eu estava bem, comi mais batata, bananinha e fruta, todos do apoio me perguntavam como eu estava e davam conselhos, absolvia tudo e ia correr, só queria correr e correr, estava entrando agora na praia da Juréia até o Cantão, na entrada dela tinham 4 mulheres nas suas respetivas cadeiras de praia e chapéus, com óculos escuros e biquínis e seus ultra bronzeadores, ao passar todas aplaudiram e gritaram me incentivando, cara aquilo estava divertido e eu estava conseguindo captar todas estas energias para mim. Logo recebi um sms de apoio do Rafa, tinha gente de longe torcendo e isto estava fazendo a diferença, só estava com o meu celular no bolso e umas capsulas de sal o resto estava tudo no carro, mas este trecho foi enorme, 14 km de praia intermináveis, bebia água, isotônico e pastilha de sal, só pensava no próximo PC, a praia já estava enchendo de banhistas, o que estava enchendo também era o meu tênis, estava com uma meia legal, ela não segurava muito a água e secava rápido, o problema é que estava sempre molhando os pés e teve uma hora que a meia não aguentou mais e ficou encharcada, meu tênis estava pesado.

Saio da praia, mas não chega o PC 5, mais um pequeno trecho de lama e com um estacionamento enorme de carros, tento visualizar a galera e vejo a Tomiko que estava acenando do outro lado, teria que dar toda uma volta enorme para poder parar, ela grita - “O que você quer?”, respondo de imediato - “Trocar o tênis e as meias!!!”. Ao passar pela fileira de carros as pessoas começam a bater palmas e incentivar, sempre com a palavra “SOLO” junto, tinha muito gente fazendo revezamento, o calor estava forte nesta hora e só pensei nesta galera num congestionamento enorme indo para o outro PC dentro dos carros. Isso de pensar em cada PC acho que foi uma decisão acertada para a minha cabeça, pois quando chegava era impressionante o apoio das pessoas que estavam assistindo, staff ou os próprios competidores que te apoiavam ao cruzar mais uma etapa. Cheguei no carro e tirei a imundice do meu tênis e meias, passei protetor solar nas pernas, estava correndo com camiseta de manga comprida, ela não esquentava mas protegia do sol e com um boné de rabo longo para proteger a nuca, comi e até fiquei inchado, mais incentivo do apoio, mais conselhos da Tomiko, o Roberto foi andando comigo até o fim do estacionamento, estava com a barriga cheia mesmo, ele me deu mais conselhos e fui embora, pensei “não quero nem pensar em como estaria se não tivesse essa galera como apoio, bem provavelmente ferrado!”, comecei a correr e pensar no próximo PC, a galera do revezamento passava e falava - “Parabéns, SOLO”, - “Força, SOLO”, alguns olhavam para o meu número, mas muitos já me davam incentivo atrás de mim, e eu me perguntava, como eles sabem se meu número estava na frente, depois percebi que devia ser de quando passava nos Pcs e elem me viam, aquilo realmente estava me ajudando, tinha que saber aproveitar isso a meu favor. Ao chegar em casa a noite vi uma mensagem da Faby me dando muita força para a prova, pena que só vi ela depois, mas com certeza a senti durante a prova.



Depois de uma trilha de terra, outra praia, este trecho já era considerado difícil, e eu já estava ficando cansado, um cara bem mais novo passa por mim e diz - “Monstro, parabéns SOLO”, faz duas referências se curvando em minha direção e foi embora, fico no começo sem reação, chego a dizer - “Força!”, mas acho que ele não escutou, retribuo todos os incentivos mas este me deixou sem graça, ter os respeito das pessoas pelo que você esta fazendo é algo grandioso, fazer algo assim não te deixa com o ego inflado e sim com humildade enorme, e saber que as pessoas que estão ali estão te valorizando pelo seu ato tem um valor inestimável.

Eu sei que meu corpo vai sofrer, mas minha cabeça vai me levar até a chegada, sempre penso na minha filha Sophia, de quando ela perguntava do meu treino - “Pai, quanto você correu hoje?”, dos treinos com a galera, Rafa, Diego, Franz, Roberto, Pedro, Rodolfo, do apoio da galera da academia, da galera do serviço, dos amigos que também correm por este mundo afora, cada um com seu limite, da minha equipe de apoio, das pessoas na prova me incentivando, isto tudo criou uma barreira impenetrável na minha cabeça que a palavra “desistir” nunca iria entrar, chegaria nem que fosse arrastado. Minhas coxas ardiam muito, pareciam que iam explodir, jogava muita água nelas para aliviar e funcionava temporariamente. Ao passar um dois garotos jogando bola, um deixa escapar e a bola vem na minha direção, tento desviar e dou uma esticada sinto a sensação que minha panturrilha vai estourar, danou-se, vou ter uma distensão, começo a mancar, tento juntar forças e continuo até a dor sumir, volto a correr, foi quase. Uma mulher na praia “tenta” me dar apoio e fala - “Força, só falta metade”, eu penso - “Esta mulher está LOUCA??“ já passou dá metade faz tempo, tento não pensar nisso, ela não pode estar certa, e ela não estava, ufa...

Um pouco antes do fim do trecho vejo a Tomiko, ela corre comigo na areia fofa até o PC 6, mais aplausos e olhares “Esse cara é Louco”, como mais um pouco e peço laranja no próximo PC, passo protetor nas pernas, arrumo o boné e vou embora, mas me esqueci dos lábios, acabei pegando uma insolação nele e fiquei sofrendo durante a semana pós prova, mais uma lição aprendida. Passo uma ponte e vejo uma subida enorme, vou andando, terá piores mais para frente, este trecho agora é considerado “Bem difícil”, subo rápido e o trecho é de asfalto, nesta altura faltam um pouco mais de 21 km. Um visual lindo após uma subida dura de areia, Juquehi, praia linda, o mais difícil era correr e aguentar a vontade de entrar na água. O revezamento me passava nos trechos normais, mas na subida compensava e passava de novo, mas na descida não quis forçar e descia de boa.

Durante uma parte do percurso corro junto com o Marcelo que conheci na corrida, já havia visto ele em outros trechos da corrida, estamos juntos e um apoiando o outro, ele já fez esta prova outras vezes e tenta me preparar para o pior, ao sair da estrada e entrar nas ruas da cidade ao parar para beber no staff sinto uma tontura, não sento continuo andando, tomo mais uma capsula de sal, estava me sentindo um drogado de tanta capsula que estava ingerindo, mas estava tentando não fazer que a grande quantidade de liquido que estava bebendo fizesse meu corpo parar de funcionar, digo ao Marcelo para continuar sua prova que eu estava bem e já ia começar a correr, não queria atrapalhar a prova dele, comecei a ver muitos carros parados nas ruas, era o pessoal do revezamento e sempre me dando apoio, o fim do trecho estava perto, recebo um sms do Roberto me dizendo que estavam um pouco a frente do PC 7.

Fazer Ultra é sensacional, é um esporte sozinho, mas é como se estivessem todos correndo juntos, o apoio é incrível, é diferente das provas de rua que você tem que desviar de garrafas de água arremessadas e existe aquele clima de competição, na Ultra também tem, mas isso são para os monstrões da frente, os demais são sobreviventes, desculpe não consigo descrever com palavras o que realmente é essa sensação!!!




Depois do PC 7 tem uma subida de asfalto e a energia que recebo é tão grande que continuo correndo na subida e vejo o carro 74 de apoio, a galera com potes de comida me esperando, coloco as mãos no joelho e digo - “Não vou parar, vou chegar até o fim de qualquer jeito”, a Tomiko esta com o número 73 do Roberto e diz que vai me acompanhar no último trecho, me sinto honrado, já estava com dores por todo o corpo e após comer elas aumentaram, decidi que tinha que parar de comer, mas agora só faltava a chegada né. Mais uma subida dura e depois uma descida muito ingreme, sentia os dois joelhos doerem, mais uma praia linda no percurso, não faltava muito, vejo uma placa de 7 km para Maresias, e depois tinha mais 1 km de areia fofa, Camburi é considerado pela organização o trecho mais difícil da prova, já estava ai, então vambora.

Recebo outro sms do Rafa, perguntando como eu estava e me dando muita força, sabia que não estava sozinho, agora vinha algo inacreditável, uma subida infernal, esta é um absurdo de ingreme, tentava posicionar minhas mãos para não pesarem tanto, apoiada na cintura, nas coxas, soltas, todas pareciam incomodo, até que achei uma menos ruim, segurando as laterais da minha bermuda, todo mundo andando, só vi correndo que estava fazendo apenas aquele trecho, até os demais revezamentos estavam andando, uma menina de um carro grita para todos que estavam subindo - “Força, não desanima não”, a Tomiko olha e grita - “Sai do carro e vem subir a pé você”, cara, isso foi hilário. As subidas era em S, você não enxergava o fim, mas quando chegou deu um alivio, agora é só descida, fomos correndo, mas a sensação é que os meus dois joelhos iriam estourar, que minhas pernas romperiam ao meio bem nos joelho, perto do fim da descida que era mito ingreme pedi a Tomiko para que andássemos um pouco, o congestionamento de carros para chegar na largada já era enorme, as pessoas nos carros continuavam nos apoiando e com a presença da Tomiko do meu lado, não preciso dizer que aumentou e muito, afinal todo mundo conhece ela, mas como ela diz, ela, não conhece todo mundo.

Faltava pouco, já visualizávamos a praia final, disse a Tomiko - “Vamos chegar correndo”, e fomos embora, logo entramos na praia de areia fofa, as pessoas já aplaudiam, mas ainda faltava 1 km e lá longe conseguia visualizar a chegada, eu estava conseguindo, as dores ainda persistiam, mas sem as mesmas importâncias de antes, deixei a parte mais dura para a Tomiko e fui no lado fofo mesmo, novamente voltei a pensar em todas as pessoas que fizeram parte disso e que iria cumprir a promessa de levar a medalha para a minha filha, faltando uns 200 metros as pessoas começaram a ficar histéricas, pois todos viam a Tomiko chegando e começavam a gritar fiquei impressionado em como as pessoas respeitam esta Mulher, e aproveitei e desfrutei deste carinho também, a poucos metros peguei na mão da Tomiko e agradeci, ela me olha e diz - “Vamos terminar juntos”, e assim chegamos e cruzamos a linha de chegada com um abraço carinhoso, a galera do apoio estava lá e dei um abraço enorme em cada um e um agradecimento por eles terem me ajudado e muito.




Não queria mais comer nada, mas continuei bebendo água e isotônico, peguei a medalha que é linda e tentei ligar para a minha filha, mas ela estava na piscina na casa de uma amiga, bem falo com ela depois. Sensação de dever cumprido, 75 Km concluídos, o tempo final foi de 8h57min, envio sms para o Franz e o Rafa agradecendo o apoio. Agora era hora de voltar com a equipe de apoio 74 – Roberto, Vivian, Alexandre e Tomiko, esta medalha é deles também.




No dia seguinte fui trabalhar, mostrei a medalha para algumas pessoas e no lanche quando estava com dificuldades de comer, pois minha garganta doia (ardia) muito quando tentava engolir algo, então tinha que comer bem devagar, a Ana senta ao meu lado e começamos a conversar, mostro a medalha e digo que a próxima é a 24 horas de Valinhos, ela olha nos meus olhos e diz - “Cara, você tem problemas!!!”

Isso foi sensacional!!!!!!!

Visto "religiosamente" todos os dias!


Vejo todos os dias este vídeo do Kilian Jornet, 

principalmente antes dos treinos.



Deixa eu te dizer algo!!!