Sábado,
19 de outubro de 2013, por volta das 2 horas da manhã, depois de só
dormir 30 minutos, estamos enchendo o carro com os mantimentos para ir
ao litoral, pois as 6 da manhã irei competir na Maratona
Bertioga-Maresias 75Km, minha primeira Ultramaratona.
O
Roberto resolveu correr e ver o quanto aguenta, pois esta voltando de
uma contusão e ainda sente dores. A Vivian e o Alexandre,
namorada e amigo respectivamente do Roberto vão juntos para
fazer apoio. Mas temos uma parada obrigatória antes de irmos,
afinal temos que pegar mais uma pessoa para o apoio, Tomiko, uma
garota de 63 anos que uma semana antes fez um aprova de 80 Km, o La
Mission, considera uma das provas de Trail Runners mais difíceis
do Brasil.
Sim,
a lenda viva Tomiko iria para fazer apoio para mim. A
responsabilidade aumentava, a minha cabeça que era o que mais
me preocupava estava sendo trabalhada a várias semanas, eu não
iria desistir, o meu corpo iria sofrer, fui bem treinado e sabia que
poderia faze-lo, mas somente se a minha cabeça estivesse bem. Carro
cheio de apoio e comida, vamos embora descer a serra, durante a
viagem sentado ao lado da Tomiko no banco de trás, fico
escutando as estórias dela, de suas Ultras, a mulher é
uma inspiração, me sinto privilegiado por te-la por
perto nesta que sera a corrida da minha vida.
Chegamos
na balsa de Bertioga, local da largada, ainda faltava uma hora e
resolvi colocar meus fones e tentar me concentrar, pois só
queria correr, teria a companhia de quase 200 pessoas que iriam fazer
solo, e eu ali no meio daqueles Monstros. Faltando uns 20 minutos
para a largada recebi um sms do meu amigo Franz, me desejando boa
sorte, estava absorvendo todas as energias que recebia, isto faria a
diferença.
Comemos
um pouco e fomos para a largada, recebemos os últimos
incentivos e conselhos da equipe de apoio e esperamos o tiro de
largada, só pensava na enorme planilha de treinos por que
passei e porque estava ali, aquele era o momento que esperei. Eu e o
Roberto nos cumprimentamos e fomos embora, o tempo estava bom,
agradável, só esperava que não fizesse muito
sol, no início o pessoal vai segurando o ritmo, afinal tem
muita coisa pela frente, a areia da praia do Indaiá é
dura, mas mesmo assim corremos perto da água, mas como toda
praia existem valas e ou você pula ou molha os pés, em
algumas não adiantava nem pular de tão grande, o
Roberto ao pular uma sentiu a panturrilha, estávamos no
primeiro km e ele resolveu que não dava, pois doia muito, me
desejou sorte e me mandou embora.
Tentei
me concentrar para não forçar e nem diminuir o ritmo,
não estava competindo com ninguém, somente comigo
mesmo. Eram 8 trechos e resolvi pensar neles um a um, não
corri de relógio, não queria marcar tempo nem
quilometragem, corri livre somente para chegar, mas na minha cabeça
queria no fundo fazer abaixo de 9 horas. No fim do primeiro trecho
resolvi que seria melhor correr sem a camelback, na chegada do
primeiro PC a Tomiko me perguntou como estava e o que eu queria, dei
a camel e só peguei o celular para nos comunicarmos e disse
que comeria depois, bebi um copo de isotônico que a organização
estava fornecendo e fui para o segundo trecho, este saia da praia,
entrava numa parte de lama e depois outra praia, estava começando
a me divertir.
Visualizei
um cara (sou péssimo para nomes) na minha frente e fui
acompanhando, logo estávamos trocando informações
e nos ajudando, estávamos num ritmo até rápido
sem exageros, mas rápido, passamos pelo PC 2 (praia do Riviera
e Morro do São Lourenço) voando, não consegui
ver o apoio quando passei, então enviei uma mensagem para o
Roberto para me encontrar no PC 3, fiquei me hidratando com água
e isotônico que a organização fornecia, mas
lembrei do sal, estava bebendo muito liquido e deixei meu sal da
camel, droga, não queria causar problemas ao meu corpo, já
estávamos correndo num grupo de quatro pessoas, mas estava
apertado querendo fazer xixi, quando saímos da praia e
entramos em outra trilha de lama e vi uns arbustos enormes resolvi
para e aliviar, até escutei um cara de bike gritando -
“Parando para aliviar o peso, é isso ai, rsrs”, tinha
muita gente fazendo apoio de bike e iam do nosso lado, lembrei do
Diego, ele iria curtir tudo isso. Quando voltei resolvi não
tentar alcançar os caras, vou fazer a minha corrida, logo
entramos na autoestrada e lá vai eu ingerir mais liquido, cadê
o sal para equilibrar, vou ter problemas!
Nesta
altura já haviam pessoas do revezamento que estavam num ritmo
bem mais forte, claro o percurso deles era menor e ao chegar próximo
ao PC 3 (portaria do condomínio Guaratuba II), as pessoas já
batiam palmas e gritavam palavras de incentivo junto ao
apelido/sobrenome que escutei muito para mim, “SOLO”, as vezes
alguém gritava também - “Vai Vegano”, correr com a
camiseta do Força Vegana faz muito a diferença. Quando
cheguei no PC comi batata e pedi a camel para pegar o sal, escutei a
Tomiko gritar - “Bebe água!”, e eu gritei de volta - “Já
bebi muito!”, tomei uma capsula de sal e fui embora, ao entrar numa
nova praia visualizo uma garota linda com um cachorro enorme, ela
para, se abaixa e começar a me olhar fixamente e me passa um
sorriso “assustador”, quase perdi o foco, acho que ela estava
olhando minha camisa e vendo o quanto eu era louco, apenas sorri de
volta e absolvi toda a energia que ela conseguiu passar e pensei no
próximo PC, mas uma longa praia pela frente, nesta altura não
tinha muita gente nas praias, apenas pescadores e a galera do staff.
Ao
chegar ao condomínio Guaratuba Quadra A no PC 4 já
haviam se passado 28,5 Km, eu estava bem, comi mais batata, bananinha
e fruta, todos do apoio me perguntavam como eu estava e davam
conselhos, absolvia tudo e ia correr, só queria correr e
correr, estava entrando agora na praia da Juréia até o
Cantão, na entrada dela tinham 4 mulheres nas suas respetivas
cadeiras de praia e chapéus, com óculos escuros e
biquínis e seus ultra bronzeadores, ao passar todas aplaudiram
e gritaram me incentivando, cara aquilo estava divertido e eu estava
conseguindo captar todas estas energias para mim. Logo recebi um sms
de apoio do Rafa, tinha gente de longe torcendo e isto estava fazendo
a diferença, só estava com o meu celular no bolso e
umas capsulas de sal o resto estava tudo no carro, mas este trecho
foi enorme, 14 km de praia intermináveis, bebia água,
isotônico e pastilha de sal, só pensava no próximo
PC, a praia já estava enchendo de banhistas, o que estava
enchendo também era o meu tênis, estava com uma meia
legal, ela não segurava muito a água e secava rápido,
o problema é que estava sempre molhando os pés e teve
uma hora que a meia não aguentou mais e ficou encharcada, meu
tênis estava pesado.
Saio
da praia, mas não chega o PC 5, mais um pequeno trecho de lama
e com um estacionamento enorme de carros, tento visualizar a galera e
vejo a Tomiko que estava acenando do outro lado, teria que dar toda
uma volta enorme para poder parar, ela grita - “O que você
quer?”, respondo de imediato - “Trocar o tênis e as
meias!!!”. Ao passar pela fileira de carros as pessoas começam
a bater palmas e incentivar, sempre com a palavra “SOLO” junto,
tinha muito gente fazendo revezamento, o calor estava forte nesta
hora e só pensei nesta galera num congestionamento enorme indo
para o outro PC dentro dos carros. Isso de pensar em cada PC acho que
foi uma decisão acertada para a minha cabeça, pois
quando chegava era impressionante o apoio das pessoas que estavam
assistindo, staff ou os próprios competidores que te apoiavam
ao cruzar mais uma etapa. Cheguei no carro e tirei a imundice do meu
tênis e meias, passei protetor solar nas pernas, estava
correndo com camiseta de manga comprida, ela não esquentava
mas protegia do sol e com um boné de rabo longo para proteger
a nuca, comi e até fiquei inchado, mais incentivo do apoio,
mais conselhos da Tomiko, o Roberto foi andando comigo até o
fim do estacionamento, estava com a barriga cheia mesmo, ele me deu
mais conselhos e fui embora, pensei “não quero nem pensar em
como estaria se não tivesse essa galera como apoio, bem
provavelmente ferrado!”, comecei a correr e pensar no próximo
PC, a galera do revezamento passava e falava - “Parabéns,
SOLO”, - “Força, SOLO”, alguns olhavam para o meu
número, mas muitos já me davam incentivo atrás
de mim, e eu me perguntava, como eles sabem se meu número
estava na frente, depois percebi que devia ser de quando passava nos
Pcs e elem me viam, aquilo realmente estava me ajudando, tinha que
saber aproveitar isso a meu favor. Ao chegar em casa a noite vi uma
mensagem da Faby me dando muita força para a prova, pena que
só vi ela depois, mas com certeza a senti durante a prova.
Depois
de uma trilha de terra, outra praia, este trecho já era
considerado difícil, e eu já estava ficando cansado, um
cara bem mais novo passa por mim e diz - “Monstro, parabéns
SOLO”, faz duas referências se curvando em minha direção
e foi embora, fico no começo sem reação, chego a
dizer - “Força!”, mas acho que ele não escutou,
retribuo todos os incentivos mas este me deixou sem graça, ter
os respeito das pessoas pelo que você esta fazendo é
algo grandioso, fazer algo assim não te deixa com o ego
inflado e sim com humildade enorme, e saber que as pessoas que estão
ali estão te valorizando pelo seu ato tem um valor
inestimável.
Eu
sei que meu corpo vai sofrer, mas minha cabeça vai me levar
até a chegada, sempre penso na minha filha Sophia, de quando
ela perguntava do meu treino - “Pai, quanto você correu
hoje?”, dos treinos com a galera, Rafa, Diego, Franz, Roberto,
Pedro, Rodolfo, do apoio da galera da academia, da galera do serviço,
dos amigos que também correm por este mundo afora, cada um com
seu limite, da minha equipe de apoio, das pessoas na prova me
incentivando, isto tudo criou uma barreira impenetrável na
minha cabeça que a palavra “desistir” nunca iria entrar,
chegaria nem que fosse arrastado. Minhas coxas ardiam muito, pareciam
que iam explodir, jogava muita água nelas para aliviar e
funcionava temporariamente. Ao passar um dois garotos jogando bola,
um deixa escapar e a bola vem na minha direção, tento
desviar e dou uma esticada sinto a sensação que minha
panturrilha vai estourar, danou-se, vou ter uma distensão,
começo a mancar, tento juntar forças e continuo até
a dor sumir, volto a correr, foi quase. Uma mulher na praia “tenta”
me dar apoio e fala - “Força, só falta metade”, eu
penso - “Esta mulher está LOUCA??“ já passou dá
metade faz tempo, tento não pensar nisso, ela não pode
estar certa, e ela não estava, ufa...
Um
pouco antes do fim do trecho vejo a Tomiko, ela corre comigo na areia
fofa até o PC 6, mais aplausos e olhares “Esse cara é
Louco”, como mais um pouco e peço laranja no próximo
PC, passo protetor nas pernas, arrumo o boné e vou embora, mas
me esqueci dos lábios, acabei pegando uma insolação
nele e fiquei sofrendo durante a semana pós prova, mais uma
lição aprendida. Passo uma ponte e vejo uma subida
enorme, vou andando, terá piores mais para frente, este trecho
agora é considerado “Bem difícil”, subo rápido
e o trecho é de asfalto, nesta altura faltam um pouco mais de
21 km. Um visual lindo após uma subida dura de areia, Juquehi,
praia linda, o mais difícil era correr e aguentar a vontade de
entrar na água. O revezamento me passava nos trechos normais,
mas na subida compensava e passava de novo, mas na descida não
quis forçar e descia de boa.
Durante
uma parte do percurso corro junto com o Marcelo que conheci na
corrida, já havia visto ele em outros trechos da corrida,
estamos juntos e um apoiando o outro, ele já fez esta prova
outras vezes e tenta me preparar para o pior, ao sair da estrada e
entrar nas ruas da cidade ao parar para beber no staff sinto uma
tontura, não sento continuo andando, tomo mais uma capsula de
sal, estava me sentindo um drogado de tanta capsula que estava
ingerindo, mas estava tentando não fazer que a grande
quantidade de liquido que estava bebendo fizesse meu corpo parar de
funcionar, digo ao Marcelo para continuar sua prova que eu estava bem
e já ia começar a correr, não queria atrapalhar
a prova dele, comecei a ver muitos carros parados nas ruas, era o
pessoal do revezamento e sempre me dando apoio, o fim do trecho
estava perto, recebo um sms do Roberto me dizendo que estavam um
pouco a frente do PC 7.
Fazer
Ultra é sensacional, é um esporte sozinho, mas é
como se estivessem todos correndo juntos, o apoio é incrível,
é diferente das provas de rua que você tem que desviar
de garrafas de água arremessadas e existe aquele clima de
competição, na Ultra também tem, mas isso são
para os monstrões da frente, os demais são
sobreviventes, desculpe não consigo descrever com palavras o
que realmente é essa sensação!!!
Depois
do PC 7 tem uma subida de asfalto e a energia que recebo é tão
grande que continuo correndo na subida e vejo o carro 74 de apoio, a
galera com potes de comida me esperando, coloco as mãos no
joelho e digo - “Não vou parar, vou chegar até o fim
de qualquer jeito”, a Tomiko esta com o número 73 do Roberto
e diz que vai me acompanhar no último trecho, me sinto
honrado, já estava com dores por todo o corpo e após
comer elas aumentaram, decidi que tinha que parar de comer, mas agora
só faltava a chegada né. Mais uma subida dura e depois
uma descida muito ingreme, sentia os dois joelhos doerem, mais uma
praia linda no percurso, não faltava muito, vejo uma placa de
7 km para Maresias, e depois tinha mais 1 km de areia fofa, Camburi é
considerado pela organização o trecho mais difícil
da prova, já estava ai, então vambora.
Recebo
outro sms do Rafa, perguntando como eu estava e me dando muita força,
sabia que não estava sozinho, agora vinha algo inacreditável,
uma subida infernal, esta é um absurdo de ingreme, tentava
posicionar minhas mãos para não pesarem tanto, apoiada
na cintura, nas coxas, soltas, todas pareciam incomodo, até
que achei uma menos ruim, segurando as laterais da minha bermuda,
todo mundo andando, só vi correndo que estava fazendo apenas
aquele trecho, até os demais revezamentos estavam andando, uma
menina de um carro grita para todos que estavam subindo - “Força,
não desanima não”, a Tomiko olha e grita - “Sai do
carro e vem subir a pé você”, cara, isso foi hilário.
As subidas era em S, você não enxergava o fim, mas
quando chegou deu um alivio, agora é só descida, fomos
correndo, mas a sensação é que os meus dois
joelhos iriam estourar, que minhas pernas romperiam ao meio bem nos
joelho, perto do fim da descida que era mito ingreme pedi a Tomiko
para que andássemos um pouco, o congestionamento de carros
para chegar na largada já era enorme, as pessoas nos carros
continuavam nos apoiando e com a presença da Tomiko do meu
lado, não preciso dizer que aumentou e muito, afinal todo
mundo conhece ela, mas como ela diz, ela, não conhece todo
mundo.
Faltava
pouco, já visualizávamos a praia final, disse a Tomiko
- “Vamos chegar correndo”, e fomos embora, logo entramos na praia
de areia fofa, as pessoas já aplaudiam, mas ainda faltava 1 km
e lá longe conseguia visualizar a chegada, eu estava
conseguindo, as dores ainda persistiam, mas sem as mesmas
importâncias de antes, deixei a parte mais dura para a Tomiko e
fui no lado fofo mesmo, novamente voltei a pensar em todas as pessoas
que fizeram parte disso e que iria cumprir a promessa de levar a
medalha para a minha filha, faltando uns 200 metros as pessoas
começaram a ficar histéricas, pois todos viam a Tomiko
chegando e começavam a gritar fiquei impressionado em como as
pessoas respeitam esta Mulher, e aproveitei e desfrutei deste carinho
também, a poucos metros peguei na mão da Tomiko e
agradeci, ela me olha e diz - “Vamos terminar juntos”, e assim
chegamos e cruzamos a linha de chegada com um abraço
carinhoso, a galera do apoio estava lá e dei um abraço
enorme em cada um e um agradecimento por eles terem me ajudado e
muito.
Não
queria mais comer nada, mas continuei bebendo água e
isotônico, peguei a medalha que é linda e tentei ligar
para a minha filha, mas ela estava na piscina na casa de uma amiga,
bem falo com ela depois. Sensação de dever cumprido, 75
Km concluídos, o tempo final foi de 8h57min, envio sms para o
Franz e o Rafa agradecendo o apoio. Agora era hora de voltar com a
equipe de apoio 74 – Roberto, Vivian, Alexandre e Tomiko, esta
medalha é deles também.
No
dia seguinte fui trabalhar, mostrei a medalha para algumas pessoas e
no lanche quando estava com dificuldades de comer, pois minha
garganta doia (ardia) muito quando tentava engolir algo, então
tinha que comer bem devagar, a Ana senta ao meu lado e começamos
a conversar, mostro a medalha e digo que a próxima é a
24 horas de Valinhos, ela olha nos meus olhos e diz - “Cara, você
tem problemas!!!”
Isso
foi sensacional!!!!!!!