quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

El Cruce - Do 3º dia até em casa


Acordei às 5 horas da manhã e estava um frio brabo, a barraca toda úmida, dormimos sem encostar-se nas laterais para não se molhar durante a noite, arrumei a mala, tomei café (com as frutas que peguei no dia anterior), me troquei, enfrentei e fila do banheiro, peguei água e isotônico, ainda não tinha fila e fui buscar meu relógio e ao pegar vi que o GPS estava ligado, conclusão carregou todo, mas alguém tocou em algum botão e ligou ele, descarregando assim tudo, bateria zerada, iria correr só com o cronometro. Realmente estava frio e usei pela primeira vez uma blusa, até fizeram uma fogueira, fiquei menos de um minuto do lado dela para me aquecer e tomei um café (coisa que não tomo, somente em provas para esquentar).



Mas um pouco antes aconteceu algo engraçado, ao sair da barraca e ir para os refeitórios e banheiro tinha que atravessar um riozinho, tinha uma madeira forte improvisada (como ponte), ao pisar nela com o meu pé direito senti que ela estava escorregadia (devido à umidade da madrugada), estava escuro e minha visão estava baseada na minha headlamp, percebi que iria levar um tombaço histórico na água gelada, e já estava me vendo todo molhado com a roupa da largada então dei um passo rápido com o pé esquerdo somente para ganhar algum equilíbrio para poder cair na grama e não na água, tudo isso em fração de segundos, feito isso consegui rolar como um tatu e me livrar do banho inesperado, neste momento as pessoas que estavam em frente as barracas delas me viram e gritaram algo como “O meu Deus!”, levantei imediatamente após o rolamento com os braços levantados para o céu e mostrando que estava bem, ai começaram os gritos “El Campion, El Campion”, sinceramente me senti um artista de circo. E do meu lado apareceu a Fernanda toda alegre e super animada para correr (era a mais animada de todo o camping com certeza), e ela foi testemunha ocular do meu quase tombo histórico.



Resolvi correr com o mesmo tênis, estava seco, troquei à meia, fui com um short e coloquei uma camiseta (meio segunda pele) da Força Vegana por baixo da camiseta da prova. Estava bem frio, mas resolvi não correr com mais roupa, pois o tempo iria esquentar e não queria parar para trocar de roupa, fiquei parecendo um picolé e todo mundo super agasalhado, a largada atrasou meia hora e passei frio principalmente nas mãos. O primeiro pelotão saiu, em fila indiana com tempo de 5 segundos entre um e outro, eu estava no segundo pelotão e logo sai e ao começar a correr as dores musculares que ao acordar estavam maiores desapareceram junto com o frio. Terreno de terra plana pela frente e fui passando as pessoas num ritmo bom, era o último dia e não tinha o que mais poupar, era contagem regressiva para o término, seriam mais 34 km, com 2307 m de altimetria acumulada e 2299 m de descenso acumulado, com altura máxima de 1414 m.



Antes do 1º km vi vários atletas parando para trocar de roupa, saíram muito agasalhados e agora precisavam retirar o excesso, sabia que ficar na largada uns minutos com frio me poupariam tempo na corrida. Logo entramos numa single track e teríamos que atravessar um riozinho, vi as pessoas atolando o pé na água fria, tinha um tronco enorme atravessando ela, segurei numa ponta de galho e impulsionei meu corpo para atravessar sem colocar os pés na água, aquela hora a água deveria estar muito gelada e consegui passar por ela sem me molhar, mas logo em frente teve outro rio bem raso na altura da canela com muitas pedras nela, não tinha como não molhar os pés ali, a água estava gostosa, porém muito gelada.





Ao chegar ao topo de um trecho visualizamos a esquerda uma montanha enorme e com muita neve nela e um desfiladeiro com muitas pedras soltas para descer, o Leandro ao passar por ali presenciou uma avalanche de neve da montanha ao lado, ele gravou na Go Pro (o barulho era assustador), a descida era bem íngreme, ou você descia com as duas mãos se apoiando no chão ou rolando, quando comecei a descer resolvi tomar cuidado mas sendo rápido, fiz um caminho diferente para sair do trilho das pessoas que estavam mais lentas, usei as duas hastes para me apoiar, era tão íngreme que você não consegue parar sem cair, então era descer rápido mesmo e não tinha como brecar, percebi que iria cair e o jeito agora era aliviar a queda, num momento a minha haste esquerda ficou presa entre duas pedras enormes, tentei puxá-la rápido, mas não veio, percebi que iria cair e me machucar feio, no instinto tentei me abaixar e todo o peso do meu corpo ficou na haste esquerda presa que começou a envergar, virei o rosto esperando ela quebrar... Mas não quebrou e suportou todo o meu peso, foi um susto grande, iria me machucar feio, só estava no meio da descida, a haste presa na verdade me salvou de uma queda certa (a foto acima mostra o desfiladeiro ao fundo).



Depois disso veio outro single track em floresta fechada, tinha uma fila imensa e fui passando com dificuldade devido ao pouco espaço que tinha. Quando estávamos perto dos 20 km encontrei um argentino, o Rose, ele já participou de vários El Cruce e embora o percurso seja diferente todo ano, ele parecia conhecer bem o lugar, o deixei ficar na frente puxando e me avisando dos troncos, quando abaixar a cabeça, das pedras soltas e lamaçais, controlando a velocidade, tinha um trekking rápido quando necessário, mas caia muito, caiu várias vezes e se não fosse ele seria eu, quando ele caia eu observava aonde deveria realmente ir. Sempre perguntava “Estás bien?” e ele seguia em frente, fomos num bom ritmo e ganhando terreno.



Mas dois corredores nos alcançaram, o brasileiro Luis Robles e um peruano que infelizmente não sei o nome, vinham num ritmo forte, o Luis começou a puxar e os quatro permaneceram no ritmo muito bom, sinceramente depois conversando entre nos no barco chegamos a conclusão que se estivéssemos sozinhos não teríamos feito este trecho tão rápido, apelidamos de “A Floresta dos Gnomos” era muito floresta de filme de contos de fadas, um visual belíssimo que praticamente não prestávamos atenção devido a dificuldade da trilha, e num trecho olhando para o chão bati a cabeça forte num tronco, foi de raspão, na altura onde começa o cabelo na testa, chegou a ficar uma marca e fez casquinha depois, tinha que ser rápido, olhar para o chão e para cima porque o risco de cair ou trombar era grande.



Passamos por duas pontes bem estreitas onde só passava uma pessoa, na segunda havia staffs controlando a passagem das pessoas, uma menina com uma varinha segurava os atletas deixando passarem um por vez na pontezinha onde só cabia um pé e tinham arames nas laterais para se apoiar, depois disso vinha um single track onde se pisava e seu pé afundava como se estivesse correndo num colchão duro, estávamos ainda os quatro juntos, esperávamos chegar ao ponto de hidratação na altura do km 24, gritei assim que vi o barco que pegaríamos, “Estamos chegando, estamos chegando”, demos um pique neste momento, eu parei para beber isotônico e encher as duas garrafinhas que já estavam vazias, coloquei mais um pouco de água na camel e segui em frente, fui informado que teria que subir o morro e voltar, dando uns 7 kms, tá certo que estava com mais de 90 kms nas costas, mas aquilo seria menos que subir e descer o Pico do Jaraguá pelo asfalto, e ali na fronteira da Argentina com o Chile a estrada era de terra com pedrinhas.




Pro alto e avanti, subiria e desceria pelo mesmo caminho então passava pelas pessoas que já estavam descendo, cumprimentava a todos dando força e recebendo, estava me divertindo e sentia o final chegando. No ponto mais alto passamos pela entrada do Parque Nacional Nahuel Huapi, e logo vinha uma descidinha onde o pessoal da imigração estava, formou-se uma fila pequena para apresentar os papéis e documentos, depois de alguns carimbos e verificações os atletas iam sendo liberados um a um, logo entravamos a direita em uma parte fechada do parque, era um trecho de uns 500 metros onde voltávamos à entrada do parque para começar a descer o morro e a velocidade aumentava, fui passando algumas pessoas e ao chegar novamente no posto de hidratação só que pela parte de trás (onde já era o Chile) havia um tapete de cronometragem onde nosso tempo seria parado, pois chegávamos ao km 31 e pegaríamos um barco para atravessar o lago Frias, ficamos esperando o barco chegar mais ou menos uns vinte minutos, aproveitamos para descansar, comer, beber e conversar.

  


 



O barco chegou e entramos (eram sessenta corredores mais ou menos por vez), depois de uns quinze minutos de passeio, recuperando as energias, comendo e socializando com a galera chegamos ao trecho final da prova, eram mais 3 kms pela frente, saímos em fila indiana num intervalo de uns 10 segundos entre um e outro, um subidinha de 200 metros e depois só reta numa estradinha cheia de pedrinhas, a prova inteira daria 102,5 kms mais ou menos e nenhum trecho de asfalto, isso foi um sonho, asfalto em pensar.


Como só estava com o cronometro calculei mais ou menos o tempo, sabia que estava a menos de um km para chegar, quando comecei a escutar uns gritos e uma mulher estava com um notebook na estrada e quando ela disse “é logo ali”, acelerei, deixei a mochila solta na frente, levantei a camiseta da prova segurando na minha boca e mostrei com orgulho a camiseta do Força Vegana ao cruzar a linha de chegada. 


Acabou!!! No terceiro dia com o tempo de 5h00m04s, ficando na classificação geral na posição 166 no tempo total de 15h33m57s.




Logo um staff me deu uma latinha de cerveja (patrocinadora do evento), depois outra me deu um saco plástico com água e isotônico, outra me perguntou meu número, disse a outra que pegou um envelope, tirou uma medalha e colocou no meu pescoço, estava o meu nome e apelido gravado na parte de trás dela. Demais! Pediram para devolver o chip e solicitaram que mostrassem o papel da fronteira da entrada no Chile, havia após a chegada um posto de imigração para entrar na Argentina, mostrei os documentos e me liberaram (não recebi nenhum papel de volta). Encontrei com o pessoal que estava se abraçando e comemorando, antes de entrarmos no barco que já estava saindo pegamos outro kit, este de alimentos, tinha vários pacotes de bolachas e salgados, lata de atum, sanduíche, fruta a escolher e uma garrafinha de água.




Entramos no barco este era maior e encontramos a galera da Elite nele, era o primeiro barco a voltar a Bariloche e a viagem era de mais ou menos uma hora, cheguei a tirar um cochilo depois de comer e quando acordei fui conversar com a galera que ainda estava no êxtase. Ao chegarmos, no pequeno porto estavam algumas pessoas que já esperavam alguns atletas, havia bandeiras de vários países e ao sairmos fomos aplaudidos, sinceramente achei bem estranha aquela sensação, não acho nada de mais o que fiz, não que foi fácil, mas na verdade não me dou bem com elogios. 



Pegamos um ônibus que nos levou até Cerro Catedral, depois de uns trinta minutos chegamos, havia algumas pessoas esperando também em Cerro, tiramos algumas fotos (eu e o Leandro representando o Veganismo no El Cruce), nos despedimos já marcando de nos encontrar no jantar e fui para a pousada, a mala da organização só chegaria às 20h e ainda nem eram 16h. Na pousada tomei um banho demorado de banheira e fui buscar a mala, onde encontrei o pessoal que havia acabado de chegar, dali combinamos o jantar, seria a despedida, pois no outro dia embarcaria de volta às 8 horas da manhã. 

Mas é impressionante como todos terminam acabados e já combinando a próxima, só tem maluco neste negócio.

Enfim! Foi isso e valeu cada centavo podem acreditar!!!


Epilogo

Acordei as 5 horas da manhã depois de ir dormir depois da uma hora arrumando as malas, tomei café, peguei um táxi com um morador nativo de Bariloche que foi por um caminho alternativo e mais rápido até o aeroporto. Ao despachar a mala fui informado que não precisaria pegar ela em Buenos Aires porque a própria empresa faria a conexão, bem, algo a menos para se preocupar eu pensei. Na fila para embarque encontrei com o Gustavo Pisati e depois em Buenos Aires procuramos algo para comer perto do aeroporto sem sucesso, então voltamos e comemos lá mesmo, meu vôo sairia uns quarenta minutos antes do dele.



Quando faltavam cinqüenta minutos para a decolagem fui para o embarque, entrei pela parte de voos nacionais e tive que atravessar o aeroporto inteiro para chegar aos voos internacionais, passei pelo detector de metais e depois peguei a fila da imigração para sair da Argentina. No guichê me pediram o documento e a carta de entrada na Argentina, tentei explicar o porque eu não a possuía mais, já que havia ficado na entrada do Chile, e como se estivesse falando com uma parede fui informado que sem o visto não iria embarcar. 

Ferrou!! Corri para o escritório de imigração que ficava no andar de baixo e uma mulher nada simpática começou a resmungar depois que expliquei o que havia acontecido, devido ao vidro blindado não escutava, mas ela estava me xingando com certeza. O rapaz da frente do computador verificou minha identidade e achou no sistema meus dados, balançou a cabeça positivamente e disse algo a moça informando meio que eu realmente existia, imprimiu um papel e deu a ela que me deu e sai correndo para passar de novo no detector de metais e pegar novamente a fila da imigração, em outro guichê o rapaz ficou olhando para a foto da minha identidade, depois para meu rosto, depois para a foto e desconfiado me entregou e disse que poderia ir embora. Neste meio tempo achei que não conseguiria sair do país e ficaria ali.



Cheguei à fila de embarque que estava enorme, vi um brasileiro que esta na corrida, conversamos rápido e fui entrar, neste momento meu celular travou e não conseguia nem desliga-lo. Antes tenho que explicar uma coisa para ficar mais claro. Eu iria viajar no voo para o Brasil pela Gol embora tenha comprado todas as passagens na Aerolineas Argentinas, acho que as empresas devem ter um acordo que uma ajuda a outra quando tem um volume grande de vôos. Quando a garota viu a minha passagem pediu para que eu ficasse do lado esperando e me disse que eles estavam me chamando pelo alto-falante, pensei em tentar explicar tudo, mas respirei e aguardei, pensei - “Pronto vou ser preso pelo que?”, toda a fila entrou e a outra garota que estava contando as passagens como se estivesse jogando Banco Imobiliário me chamou a atenção dizendo que eu deveria ter ido retirar a minha bagagem do voo anterior, conclusão eles não sabiam onde estava a minha bagagem, tinha um casal de brasileiros do meu lado que também teve o mesmo problema, explicamos que formos informados  em Bariloche que não precisávamos retirar elas, foi um bate boca enorme, acusações e ameaças, botaram a culpa em nos e depois na empresa argentina, mas ninguém sabia aonde estavam nossas bagagens, o voo estava atrasado e esperando que entrássemos, nos recusamos a sair dali até ter nossas bagagens, ameaçaram de perdemos o voo se não entrássemos naquele momento mesmo eles não tendo ideia de onde estavam as bagagens, uma empresa jogando a culpa na outra e depois de atrasarmos a decolagem embarcamos com a promessa que nossas malas iriam para o Brasil (não sei como e nem quando).



Ao entrarmos no avião fomos avisados que as bagagens foram encontradas e iriam no mesmo voo, mais um pouco de atraso e decolamos. Ao chegar ao Brasil, fiquei aguardando minha mala na esteira, a do casal chegou e a minha? Claro que não, chamei um rapaz da empresa que tentou localizar, mas nada, as esteiras vazias e a expectativa era que quando a empresa localiza-se eles enviariam a minha casa, neste momento o Gustavo que veio no voo depois já estava com a bagagem indo embora, expliquei e falei para ele ir de boa que não dava para fazer mais nada, a não ser esperar. Até que de repente o rapaz da empresa achou minha mala que veio em outro voo. UFA!!!! A emoção para voltar também foi grande. Agora era só ir para casa e comer feijão, porque ficar uma semana sem os grãos da mãe não dá!!!




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Por uma nova consciência esportiva... Independente do esporte.