sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

24 horas são suficientes??



O despertador toca, são 5h25 da manhã, ainda esta escuro e frio, dormi menos de 4 horas e me pergunto - “Tenho mesmo que levantar?”. As próximas 30 horas vão ser longas e desgastantes, olho para o quarto do lado e vejo o Diego se levantando, escuto barulho no outro quarto e começo a escutar a voz da Cris - "Vocês não vão levantar não?", ela entra com o celular na mão tocando a trilha sonora do Rocky Balboa. Agora sim, Ultra 24h, lá vamos nós!

Saímos de São Paulo em dois carros, eu, Pedro, Ronaldo, Fabiana e nosso veganinho Venâncio, e no outro carro foi a Erika, Rafa, Cris, Diego, Julia, Digo e Rodolfo. Ao chegarmos em Valinhos encontramos o resto da família, Jhonatan, Ketilin, Bianca, Liana, Daniel, Eloisa, Maria Angela, José Luiz, Débora, Lucas e Celso. O nosso camping estava enorme e a energia a mil.

10 horas da manhã é dada a largada, começa a IV Ultramarathon 24hs Run de Valinhos, minha estratégia é correr uma hora e descansar uns 20 minutos para poder fazer mais de 100 km, a maior quilometragem que tinha feito antes foi 75 km. No começo vamos eu o Ronaldo e o Lucas, num ritmo calmo e sentindo a pista de 1,3 km. Depois de uma hora dou uma paradinha no banheiro, mas estou bem e resolvo continuar mais um pouco, depois de mais quinze minutos me avisam que o meu chip não estava marcando as voltas, caraca, devo ter feito uns 13km por nada, resolvo desencanar total da prova, e continuo correndo, com duas horas de prova e ainda bem passo pelo nosso camping, como algo rápido e vou embora, quer dizer minha estratégia inicial foi pra cucuia, agora é só correr.

Converso com o Ronaldo que me diz que também errou ao colocar o chip, mas conseguiu recuperar a metade das voltas com a organização, pensei - "vou lá chorar também", me devolveram 5 voltas, melhor que nada. Então resolvi fazer uma estratégia suicida, só vou parar para comer, trocar o tênis e massagem quando estiver crítico, quero ver aonde vai o limite do meu corpo. Preferi correr sem camisa, mesmo na chuva para não ter que ficar trocando, agora o tênis não teve jeito usei 4 pares e acertei em usar o de tamanho maior no fim, pois os meus dedos estavam inchados e doloridos. Parei bem pouco para comer no nosso KG, quando parava comia rápido ou pegava algo que os Anjos (Liana, Débora, Erika e Fabiana - bem definido pelo Franz) davam e continuava correndo, a organização colocou muito líquidos e frutas para os atletas, além do macarrão e arroz em pratinhos que dava para comer enquanto caminhava.



Com o passar das horas, a pista parecia ser cada vez maior, as voltas demoravam mais, ai é que a cabeça tem que estar preparada. Tive a oportunidade de sempre encontrar alguém da equipe Força Vegana e correr com eles, além do Ronaldo e Lucas no início, o Celso, o Jhonatan, o Rafa e o Diego que estavam na dupla, o Rodolfo, o Pedro e o Daniel que corremos juntos por muitas voltas. Correr com esta galera foi uma honra, e estou sempre aprendendo com eles, e as meninas guerreiras que sempre quando passava ficava incomodando elas. Essa força mutua da Família que formamos nos tiram de situações que parecem até irreversíveis.

As brincadeiras eram o ponto forte, ao passar pelo tapete de cronometragem, escuto alguém gritando - "Vai Jesus!", olho para o cara e dou um sorriso, conto para o Digo e na outra volta o nosso camping inteiro começa e me chamar de Jesus, é vou me lembrar que não posso contar nada para ele, mas ele foi guerreiro ficou o tempo todo acordado e dando força sempre que passava, além da Cris (esta é doida varrida) que passou o aniversário dela conosco, e até parei na madruga para comer um pedaço de bolo de aniversário que rolou. O Venâncio sempre me motivando e gritando para correr mais e a Julia que só sabia me zoar e deu até uma volta comigo, mas consegui um abraço dela mesmo eu estando todo suado, argh!! A Fabiana e a Erika sempre lá dando força a todos, e a Liana e a Débora sempre se mostrando preocupadas e oferecendo comida.



A pista estava muito vazia na madrugada, cheguei a correr quase uma volta inteira sem ver ninguém, tinha galinha, coelho e ganso em grandes quantidades, um ganso até veio pra cima querendo me picar, se tivesse conseguido, já era a prova, ao passar por debaixo de uma árvore senti um pingo, sera que uma galinha fez coco em min?? Olhei e não vi cor e nem cheiro, vai saber, estava tenso, cheguei a chorar em algumas voltas, não sei explicar o motivo, não era dor, nem medo, era uma sensação difícil de explicar, vou ficar devendo uma palavra melhor para este momento. Vi até vulto, acho que aquele parque é assombrando, vai saber com um monte de maluco lá, isto deve atrair. Quando deu uma hora da manhã completei 100 km. Consegui, mas não vou parar, quem sabe dá 150k, para comemorar corri duas voltas com um chapéu imenso do Mickey, até escutei uma pessoa dizendo - "ai tá tirando, eu não to conseguindo nem correr e ele esta com este chapéu imenso", hehe, comecei a correr mais rápido.

Usei os massagistas 4 vezes, nas duas primeiras vezes pedi as massagens nas coxas (adutor e abdutor) e para falar a verdade não senti muita diferença, e nem achei que fosse usar de novo, mas de madrugada o Jhonatan falou que eu estava andando que nem zumbi, todo torto, meus joelhos estavam doendo muito e não estavam aguentando o peso do meu corpo, com isso minha lombar ficava sobrecarregada, causando dor nela também, como estava andando na primeira parte da pista e correndo na segunda, conseguia correr mas ao andar sentia muita dor e não conseguia ficar ereto, eram quase 2 horas da manhã já haviam passado 16 horas, tinha que parar para descansar e ver se a dor passava, nesta hora fiquei com medo que talvez não terminasse a prova, mas não queria parar, então fui no massagista que era outro, pois havia revezamento deles (para minha sorte), e perguntei se ele conseguia dar um jeito nos meus joelhos e lombar, depois de ficar 5 minutos na banheira de gelo e receber uma massagem muito dolorida me senti inacreditavelmente renovado, não estava sentindo nada, conseguia correr a volta inteira. A prova estava recomeçando.



São 6 horas da manhã, já amanheceu e parece que não vai chover mais, faltam 4 horas, o dj volta a tocar e coloca mais uma trilha do Rocky Balboa, não vou discutir as músicas que rolaram durante a corrida, pois foram de diversos gêneros musicais, mas quando tocou Menudo, foi divertido. Algumas pessoas começam a acordar e voltavam a pista, acho que por ter ficado na pista devo ter acumulado bons quilômetros, não estava pensando na classificação, pois no telão a posição não estava correta, só o número de voltas e os kms que estavam, então continuei correndo somente para a minha meta pessoal.

A partir deste momento a única dor que incomodava era nas canelas, estava conseguindo correr quase como se fosse o começo da corrida. Fiz várias amizades durante esta longa jornada, outras pessoas que como eu estavam lá apenas para correr, o Felipe Alves, o Misa Almeida e Wellington Camargo, o Itamar Bernardineli, e o Delino Tomé, conversamos nos demos forças, nos empurramos. O Paulo Fanti que estava fazendo apoio para o Jose Luiz também ajudou muito, o motorista da van da nossa equipe que veio do Sul, o Pedro que correu junto com as meninas na madrugada, pessoas de outras equipes, como o do Branca que sempre davam palavras de apoio e até a galera da organização, fazer Ultra desmente o fato que correr provas de corrida é cada um por si, todos se tornam uma família só. O Franz que apareceu lá no sábado a tarde e domingo de manhã, sempre perguntando se estava bem, se queria alguma coisa e dando força, fez até um pratinho de comida enquanto trocava meu tênis. Estes atos fazem muito a diferença. Te da segurança e obrigação de fazer o seu melhor!



O Diego e o Rafa estavam disputando a primeira posição nas duplas e precisavam acelerar, como eu também queria bater minha meta comecei a forçar. Por duas voltas quando o Rafa se aproximava e gritava - "Vamos", corríamos juntos e fortes, mais fortes mesmo, em um momento que ele pediu para eu puxar e tinha um transito enorme na nossa frente, fui fazendo zigue zague e acelerando, cheguei a escutar um - "Nossa, que isso!", mais tarde o Diego disse que falaram que tínhamos comido alface envenenada, hehe, a dupla que estava em segundo não aguentou e começou a andar, quando vi vibrei, este primeiro lugar é deles, ninguém tira, mas os loucos continuaram acelerando.

Encontrei com o Itamar, ele esta treinando o ano inteiro para a BR, e faltando cinco dias para a Valinhos se machucou, mesmo assim veio e com dores estabeleceu uma meta e mesmo correndo e andando foi atrás dela. quando passei por ele perguntei quanto faltava, para a minha faltavam 3 voltas e para ele 4 voltas, então disse - "Vamos juntos, esta ninguém tira de nós", em um ritmo bom fomos juntos, ele corria puxando a perna mas fez as 4 voltas, e depois ainda mais. Outra surpresa muito agradável no final foi o Daniel Meyer que sentiu durante a prova, mancou muitas voltas e voltou a correr e forte como um alucinado (no seu normal). Na penúltima volta eu, o Rafa e o Daniel fizemos uma volta muito rápida juntos, era para fechar com chave de ouro, agora na última volta senti uma dor imensa na canela esquerda, fiz mancando e cheguei no final cansado, com dor e muito mais muito realizado com toda a FAMÌLIA VEGANA lá para curtimos juntos.

As meninas, Eloisa, Bianca, Ketilin e Maria Angela subiram no pódio, o Pedro, Daniel, José Luiz e Lucas também subiram, além do Rafa e do Diego nas duplas, todos tinham certeza que eu subiria, eu mesmo não tinha esta certeza, mas quando escutei meu número (29) anunciado como 3º colocado na categoria 40-44 anos (com 156,350 Km, sendo o 11º no geral), ai sim acreditei. 

 

Foi legal? Foi! Mas sem demagogia o que mais te deixa satisfeito e realizado é o reconhecimento das pessoas que estão ali, o parabéns de toda a nossa equipe, dos outros atletas e de suas equipes, e do pessoal da organização, ter o respeito destes Monstros vale mais que qualquer medalha e/ou troféu ganho.

Quantas vezes nesta loucura de vida não nos pegamos pensando em como o dia é curto e que teria que ter mais de 24 horas para podermos fazer tudo que queremos... Bem neste dia as 24 horas foram suficientes para as realizações significativas!

Momentos como esse são eternos, só espero nunca perde-los!

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

domingo, 27 de outubro de 2013

Minha primeira Ultramaratona - Bertioga-Maresias 75 Km



Sábado, 19 de outubro de 2013, por volta das 2 horas da manhã, depois de só dormir 30 minutos, estamos enchendo o carro com os mantimentos para ir ao litoral, pois as 6 da manhã irei competir na Maratona Bertioga-Maresias 75Km, minha primeira Ultramaratona.

O Roberto resolveu correr e ver o quanto aguenta, pois esta voltando de uma contusão e ainda sente dores. A Vivian e o Alexandre, namorada e amigo respectivamente do Roberto vão juntos para fazer apoio. Mas temos uma parada obrigatória antes de irmos, afinal temos que pegar mais uma pessoa para o apoio, Tomiko, uma garota de 63 anos que uma semana antes fez um aprova de 80 Km, o La Mission, considera uma das provas de Trail Runners mais difíceis do Brasil.

Sim, a lenda viva Tomiko iria para fazer apoio para mim. A responsabilidade aumentava, a minha cabeça que era o que mais me preocupava estava sendo trabalhada a várias semanas, eu não iria desistir, o meu corpo iria sofrer, fui bem treinado e sabia que poderia faze-lo, mas somente se a minha cabeça estivesse bem. Carro cheio de apoio e comida, vamos embora descer a serra, durante a viagem sentado ao lado da Tomiko no banco de trás, fico escutando as estórias dela, de suas Ultras, a mulher é uma inspiração, me sinto privilegiado por te-la por perto nesta que sera a corrida da minha vida.




Chegamos na balsa de Bertioga, local da largada, ainda faltava uma hora e resolvi colocar meus fones e tentar me concentrar, pois só queria correr, teria a companhia de quase 200 pessoas que iriam fazer solo, e eu ali no meio daqueles Monstros. Faltando uns 20 minutos para a largada recebi um sms do meu amigo Franz, me desejando boa sorte, estava absorvendo todas as energias que recebia, isto faria a diferença.

Comemos um pouco e fomos para a largada, recebemos os últimos incentivos e conselhos da equipe de apoio e esperamos o tiro de largada, só pensava na enorme planilha de treinos por que passei e porque estava ali, aquele era o momento que esperei. Eu e o Roberto nos cumprimentamos e fomos embora, o tempo estava bom, agradável, só esperava que não fizesse muito sol, no início o pessoal vai segurando o ritmo, afinal tem muita coisa pela frente, a areia da praia do Indaiá é dura, mas mesmo assim corremos perto da água, mas como toda praia existem valas e ou você pula ou molha os pés, em algumas não adiantava nem pular de tão grande, o Roberto ao pular uma sentiu a panturrilha, estávamos no primeiro km e ele resolveu que não dava, pois doia muito, me desejou sorte e me mandou embora.

Tentei me concentrar para não forçar e nem diminuir o ritmo, não estava competindo com ninguém, somente comigo mesmo. Eram 8 trechos e resolvi pensar neles um a um, não corri de relógio, não queria marcar tempo nem quilometragem, corri livre somente para chegar, mas na minha cabeça queria no fundo fazer abaixo de 9 horas. No fim do primeiro trecho resolvi que seria melhor correr sem a camelback, na chegada do primeiro PC a Tomiko me perguntou como estava e o que eu queria, dei a camel e só peguei o celular para nos comunicarmos e disse que comeria depois, bebi um copo de isotônico que a organização estava fornecendo e fui para o segundo trecho, este saia da praia, entrava numa parte de lama e depois outra praia, estava começando a me divertir.

Visualizei um cara (sou péssimo para nomes) na minha frente e fui acompanhando, logo estávamos trocando informações e nos ajudando, estávamos num ritmo até rápido sem exageros, mas rápido, passamos pelo PC 2 (praia do Riviera e Morro do São Lourenço) voando, não consegui ver o apoio quando passei, então enviei uma mensagem para o Roberto para me encontrar no PC 3, fiquei me hidratando com água e isotônico que a organização fornecia, mas lembrei do sal, estava bebendo muito liquido e deixei meu sal da camel, droga, não queria causar problemas ao meu corpo, já estávamos correndo num grupo de quatro pessoas, mas estava apertado querendo fazer xixi, quando saímos da praia e entramos em outra trilha de lama e vi uns arbustos enormes resolvi para e aliviar, até escutei um cara de bike gritando - “Parando para aliviar o peso, é isso ai, rsrs”, tinha muita gente fazendo apoio de bike e iam do nosso lado, lembrei do Diego, ele iria curtir tudo isso. Quando voltei resolvi não tentar alcançar os caras, vou fazer a minha corrida, logo entramos na autoestrada e lá vai eu ingerir mais liquido, cadê o sal para equilibrar, vou ter problemas!




Nesta altura já haviam pessoas do revezamento que estavam num ritmo bem mais forte, claro o percurso deles era menor e ao chegar próximo ao PC 3 (portaria do condomínio Guaratuba II), as pessoas já batiam palmas e gritavam palavras de incentivo junto ao apelido/sobrenome que escutei muito para mim, “SOLO”, as vezes alguém gritava também - “Vai Vegano”, correr com a camiseta do Força Vegana faz muito a diferença. Quando cheguei no PC comi batata e pedi a camel para pegar o sal, escutei a Tomiko gritar - “Bebe água!”, e eu gritei de volta - “Já bebi muito!”, tomei uma capsula de sal e fui embora, ao entrar numa nova praia visualizo uma garota linda com um cachorro enorme, ela para, se abaixa e começar a me olhar fixamente e me passa um sorriso “assustador”, quase perdi o foco, acho que ela estava olhando minha camisa e vendo o quanto eu era louco, apenas sorri de volta e absolvi toda a energia que ela conseguiu passar e pensei no próximo PC, mas uma longa praia pela frente, nesta altura não tinha muita gente nas praias, apenas pescadores e a galera do staff.

Ao chegar ao condomínio Guaratuba Quadra A no PC 4 já haviam se passado 28,5 Km, eu estava bem, comi mais batata, bananinha e fruta, todos do apoio me perguntavam como eu estava e davam conselhos, absolvia tudo e ia correr, só queria correr e correr, estava entrando agora na praia da Juréia até o Cantão, na entrada dela tinham 4 mulheres nas suas respetivas cadeiras de praia e chapéus, com óculos escuros e biquínis e seus ultra bronzeadores, ao passar todas aplaudiram e gritaram me incentivando, cara aquilo estava divertido e eu estava conseguindo captar todas estas energias para mim. Logo recebi um sms de apoio do Rafa, tinha gente de longe torcendo e isto estava fazendo a diferença, só estava com o meu celular no bolso e umas capsulas de sal o resto estava tudo no carro, mas este trecho foi enorme, 14 km de praia intermináveis, bebia água, isotônico e pastilha de sal, só pensava no próximo PC, a praia já estava enchendo de banhistas, o que estava enchendo também era o meu tênis, estava com uma meia legal, ela não segurava muito a água e secava rápido, o problema é que estava sempre molhando os pés e teve uma hora que a meia não aguentou mais e ficou encharcada, meu tênis estava pesado.

Saio da praia, mas não chega o PC 5, mais um pequeno trecho de lama e com um estacionamento enorme de carros, tento visualizar a galera e vejo a Tomiko que estava acenando do outro lado, teria que dar toda uma volta enorme para poder parar, ela grita - “O que você quer?”, respondo de imediato - “Trocar o tênis e as meias!!!”. Ao passar pela fileira de carros as pessoas começam a bater palmas e incentivar, sempre com a palavra “SOLO” junto, tinha muito gente fazendo revezamento, o calor estava forte nesta hora e só pensei nesta galera num congestionamento enorme indo para o outro PC dentro dos carros. Isso de pensar em cada PC acho que foi uma decisão acertada para a minha cabeça, pois quando chegava era impressionante o apoio das pessoas que estavam assistindo, staff ou os próprios competidores que te apoiavam ao cruzar mais uma etapa. Cheguei no carro e tirei a imundice do meu tênis e meias, passei protetor solar nas pernas, estava correndo com camiseta de manga comprida, ela não esquentava mas protegia do sol e com um boné de rabo longo para proteger a nuca, comi e até fiquei inchado, mais incentivo do apoio, mais conselhos da Tomiko, o Roberto foi andando comigo até o fim do estacionamento, estava com a barriga cheia mesmo, ele me deu mais conselhos e fui embora, pensei “não quero nem pensar em como estaria se não tivesse essa galera como apoio, bem provavelmente ferrado!”, comecei a correr e pensar no próximo PC, a galera do revezamento passava e falava - “Parabéns, SOLO”, - “Força, SOLO”, alguns olhavam para o meu número, mas muitos já me davam incentivo atrás de mim, e eu me perguntava, como eles sabem se meu número estava na frente, depois percebi que devia ser de quando passava nos Pcs e elem me viam, aquilo realmente estava me ajudando, tinha que saber aproveitar isso a meu favor. Ao chegar em casa a noite vi uma mensagem da Faby me dando muita força para a prova, pena que só vi ela depois, mas com certeza a senti durante a prova.



Depois de uma trilha de terra, outra praia, este trecho já era considerado difícil, e eu já estava ficando cansado, um cara bem mais novo passa por mim e diz - “Monstro, parabéns SOLO”, faz duas referências se curvando em minha direção e foi embora, fico no começo sem reação, chego a dizer - “Força!”, mas acho que ele não escutou, retribuo todos os incentivos mas este me deixou sem graça, ter os respeito das pessoas pelo que você esta fazendo é algo grandioso, fazer algo assim não te deixa com o ego inflado e sim com humildade enorme, e saber que as pessoas que estão ali estão te valorizando pelo seu ato tem um valor inestimável.

Eu sei que meu corpo vai sofrer, mas minha cabeça vai me levar até a chegada, sempre penso na minha filha Sophia, de quando ela perguntava do meu treino - “Pai, quanto você correu hoje?”, dos treinos com a galera, Rafa, Diego, Franz, Roberto, Pedro, Rodolfo, do apoio da galera da academia, da galera do serviço, dos amigos que também correm por este mundo afora, cada um com seu limite, da minha equipe de apoio, das pessoas na prova me incentivando, isto tudo criou uma barreira impenetrável na minha cabeça que a palavra “desistir” nunca iria entrar, chegaria nem que fosse arrastado. Minhas coxas ardiam muito, pareciam que iam explodir, jogava muita água nelas para aliviar e funcionava temporariamente. Ao passar um dois garotos jogando bola, um deixa escapar e a bola vem na minha direção, tento desviar e dou uma esticada sinto a sensação que minha panturrilha vai estourar, danou-se, vou ter uma distensão, começo a mancar, tento juntar forças e continuo até a dor sumir, volto a correr, foi quase. Uma mulher na praia “tenta” me dar apoio e fala - “Força, só falta metade”, eu penso - “Esta mulher está LOUCA??“ já passou dá metade faz tempo, tento não pensar nisso, ela não pode estar certa, e ela não estava, ufa...

Um pouco antes do fim do trecho vejo a Tomiko, ela corre comigo na areia fofa até o PC 6, mais aplausos e olhares “Esse cara é Louco”, como mais um pouco e peço laranja no próximo PC, passo protetor nas pernas, arrumo o boné e vou embora, mas me esqueci dos lábios, acabei pegando uma insolação nele e fiquei sofrendo durante a semana pós prova, mais uma lição aprendida. Passo uma ponte e vejo uma subida enorme, vou andando, terá piores mais para frente, este trecho agora é considerado “Bem difícil”, subo rápido e o trecho é de asfalto, nesta altura faltam um pouco mais de 21 km. Um visual lindo após uma subida dura de areia, Juquehi, praia linda, o mais difícil era correr e aguentar a vontade de entrar na água. O revezamento me passava nos trechos normais, mas na subida compensava e passava de novo, mas na descida não quis forçar e descia de boa.

Durante uma parte do percurso corro junto com o Marcelo que conheci na corrida, já havia visto ele em outros trechos da corrida, estamos juntos e um apoiando o outro, ele já fez esta prova outras vezes e tenta me preparar para o pior, ao sair da estrada e entrar nas ruas da cidade ao parar para beber no staff sinto uma tontura, não sento continuo andando, tomo mais uma capsula de sal, estava me sentindo um drogado de tanta capsula que estava ingerindo, mas estava tentando não fazer que a grande quantidade de liquido que estava bebendo fizesse meu corpo parar de funcionar, digo ao Marcelo para continuar sua prova que eu estava bem e já ia começar a correr, não queria atrapalhar a prova dele, comecei a ver muitos carros parados nas ruas, era o pessoal do revezamento e sempre me dando apoio, o fim do trecho estava perto, recebo um sms do Roberto me dizendo que estavam um pouco a frente do PC 7.

Fazer Ultra é sensacional, é um esporte sozinho, mas é como se estivessem todos correndo juntos, o apoio é incrível, é diferente das provas de rua que você tem que desviar de garrafas de água arremessadas e existe aquele clima de competição, na Ultra também tem, mas isso são para os monstrões da frente, os demais são sobreviventes, desculpe não consigo descrever com palavras o que realmente é essa sensação!!!




Depois do PC 7 tem uma subida de asfalto e a energia que recebo é tão grande que continuo correndo na subida e vejo o carro 74 de apoio, a galera com potes de comida me esperando, coloco as mãos no joelho e digo - “Não vou parar, vou chegar até o fim de qualquer jeito”, a Tomiko esta com o número 73 do Roberto e diz que vai me acompanhar no último trecho, me sinto honrado, já estava com dores por todo o corpo e após comer elas aumentaram, decidi que tinha que parar de comer, mas agora só faltava a chegada né. Mais uma subida dura e depois uma descida muito ingreme, sentia os dois joelhos doerem, mais uma praia linda no percurso, não faltava muito, vejo uma placa de 7 km para Maresias, e depois tinha mais 1 km de areia fofa, Camburi é considerado pela organização o trecho mais difícil da prova, já estava ai, então vambora.

Recebo outro sms do Rafa, perguntando como eu estava e me dando muita força, sabia que não estava sozinho, agora vinha algo inacreditável, uma subida infernal, esta é um absurdo de ingreme, tentava posicionar minhas mãos para não pesarem tanto, apoiada na cintura, nas coxas, soltas, todas pareciam incomodo, até que achei uma menos ruim, segurando as laterais da minha bermuda, todo mundo andando, só vi correndo que estava fazendo apenas aquele trecho, até os demais revezamentos estavam andando, uma menina de um carro grita para todos que estavam subindo - “Força, não desanima não”, a Tomiko olha e grita - “Sai do carro e vem subir a pé você”, cara, isso foi hilário. As subidas era em S, você não enxergava o fim, mas quando chegou deu um alivio, agora é só descida, fomos correndo, mas a sensação é que os meus dois joelhos iriam estourar, que minhas pernas romperiam ao meio bem nos joelho, perto do fim da descida que era mito ingreme pedi a Tomiko para que andássemos um pouco, o congestionamento de carros para chegar na largada já era enorme, as pessoas nos carros continuavam nos apoiando e com a presença da Tomiko do meu lado, não preciso dizer que aumentou e muito, afinal todo mundo conhece ela, mas como ela diz, ela, não conhece todo mundo.

Faltava pouco, já visualizávamos a praia final, disse a Tomiko - “Vamos chegar correndo”, e fomos embora, logo entramos na praia de areia fofa, as pessoas já aplaudiam, mas ainda faltava 1 km e lá longe conseguia visualizar a chegada, eu estava conseguindo, as dores ainda persistiam, mas sem as mesmas importâncias de antes, deixei a parte mais dura para a Tomiko e fui no lado fofo mesmo, novamente voltei a pensar em todas as pessoas que fizeram parte disso e que iria cumprir a promessa de levar a medalha para a minha filha, faltando uns 200 metros as pessoas começaram a ficar histéricas, pois todos viam a Tomiko chegando e começavam a gritar fiquei impressionado em como as pessoas respeitam esta Mulher, e aproveitei e desfrutei deste carinho também, a poucos metros peguei na mão da Tomiko e agradeci, ela me olha e diz - “Vamos terminar juntos”, e assim chegamos e cruzamos a linha de chegada com um abraço carinhoso, a galera do apoio estava lá e dei um abraço enorme em cada um e um agradecimento por eles terem me ajudado e muito.




Não queria mais comer nada, mas continuei bebendo água e isotônico, peguei a medalha que é linda e tentei ligar para a minha filha, mas ela estava na piscina na casa de uma amiga, bem falo com ela depois. Sensação de dever cumprido, 75 Km concluídos, o tempo final foi de 8h57min, envio sms para o Franz e o Rafa agradecendo o apoio. Agora era hora de voltar com a equipe de apoio 74 – Roberto, Vivian, Alexandre e Tomiko, esta medalha é deles também.




No dia seguinte fui trabalhar, mostrei a medalha para algumas pessoas e no lanche quando estava com dificuldades de comer, pois minha garganta doia (ardia) muito quando tentava engolir algo, então tinha que comer bem devagar, a Ana senta ao meu lado e começamos a conversar, mostro a medalha e digo que a próxima é a 24 horas de Valinhos, ela olha nos meus olhos e diz - “Cara, você tem problemas!!!”

Isso foi sensacional!!!!!!!

Visto "religiosamente" todos os dias!


Vejo todos os dias este vídeo do Kilian Jornet, 

principalmente antes dos treinos.



Deixa eu te dizer algo!!!